Em Portugal para a ModaLisboa onde irá participar nas Fast Talks “Moda, Arte e Artesanato”, Danilo Venturi, diretor do Istituto Europeo di Design (IED), esteve à conVERSA com a VERSA sobre o momento atual e o futuro da indústria da moda. “Future Starts Slow” é o mote do desfile que os alunos do IED trazem à Semana de Moda portuguesa, e é precisamente por aí que começamos.
"The Future Starts Slow" o que nos diz sobre o momento atual e o futuro da moda?PUB
No IED, há já algum tempo que consideramos o tempo como um tema - que está sempre ligado ao espaço, tal como a história e a geografia. É por isso que, em Florença, organizámos o programa para a exposição de Anish Kapoor, intitulando-a "The Tilt of Time.” Nos últimos trinta anos de globalização, habituámo-nos à indefinição do tempo e do espaço. Os voos continentais demoravam menos tempo do que conduzir até à beira-mar, e uma hora na internet podia ligar-nos a amigos de todo o mundo, apenas para descobrir que tinham passado cinco horas. Mas esse mundo ficou para trás. Por um lado, a guerra na Ucrânia trouxe-nos de volta um mundo dividido em dois blocos, enquanto, por outro, a inteligência artificial nos impulsiona a ir mais longe do que poderíamos imaginar. O tempo e o espaço são os principais impulsionadores do Espírito do Tempo, moldando o que as pessoas pensam em determinado momento histórico. Agora, com esses parâmetros indefinidos, as pessoas estão apalpando o terreno. Há uma falta de propósito. Falta uma grande narrativa. Isso também é evidente na moda. Prevíamos um Renascimento após a pandemia, mas este continua a ser um trabalho em construção.
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O artesanato (handcraft), a arte de moldar materiais com ferramentas, é um traço definidor que distingue os seres humanos de outras espécies. A sua perda significaria a nossa extinção. No domínio da moda, o artesanato incorpora valor acrescentado, qualidade superior e individualidade. Como seres humanos, somos essencialmente criaturas nuas, mas adornando-nos com trajes artesanais - apesar das imperfeições inerentes - podemos forjar uma identidade distinta. Por outro lado, usar roupas produzidas em massa dilui a nossa singularidade, empurrando-nos para um estado de desumanização. Além disso, há o aspeto crucial da sustentabilidade. Embora as leis possam impô-lo, o seu verdadeiro significado está nos consumidores que privilegiam peças artesanais criadas criativamente em vez de alternativas baratas e descartáveis. As peças artesanais são apreciadas e podem até ser herdadas por outras gerações, enquanto as peças produzidas em massa são facilmente descartadas, porque a sua obsolescência técnica ou de design já estava prevista. É um reflexo do ciclo da identidade: inicialmente, definimo-nos por quem somos, depois pelo que possuímos e, finalmente, pelo que descartamos.
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Em Portugal, há esta fascinante mistura de tradição de manufatura entrelaçada com uma procura incessante de explorar, ecoando em vários domínios criativos, como a música eletrónica. Este ambiente multidisciplinar oferece verdadeiramente uma oportunidade única para a moda portuguesa prosperar. Além disso, o posicionamento geográfico de Portugal serve de porta de entrada entre dois mundos, atraindo talentos de lugares distantes. Quase se poderia comparar Portugal à Califórnia europeia, com a sua vibe descontraída e orientada para o estilo de vida, divergindo das rígidas normas da moda que, por vezes, se sentem desligadas do fluxo natural do corpo. O que distingue ainda mais Portugal é a sua natureza relacional, onde a diversidade cultural acontece organicamente. É um ambiente propício para um cenário de moda que vai além de meros desfiles, incorporando debates, exposições e eventos no calendário. Se Portugal quer um lugar no mapa da moda, a sua semana de moda não deve ser mais uma Milão, Paris, Londres ou Nova Iorque, mas algo inédito, mostrando o seu potencial único.
Que temas devem estar "na moda" hoje em dia? O que é importante trazer às novas gerações de designers para refletir sobre o futuro desta indústria?Devemos pedir isso às novas gerações: o futuro pertence-lhes. Os vinte anos de hoje são muito diferentes dos de há dez anos. São nativos digitais, mantêm uma ligação com os pais e não consideram as fontes de forma linear. Ao contrário dos millennials, a geração Z não acredita em instituições, não se identifica com celebridades e prefere chats privados às redes sociais. Tudo isto parece anunciar uma maior liberdade criativa, embora a liberdade seja precisamente o que alegam faltar-lhes. Talvez porque, sem parâmetros identitários pré-estabelecidos, a pressão social seja mais forte. Eu vivi totalmente a moda dos anos 90, e acho que esse tipo de moda já não existe. Acredito que o “Fashion After Fashion” não é necessariamente moda, é um híbrido entre o design e as artes visuais em geral. Se nos afastarmos da ordem design de moda/desfile/loja, pode nascer uma nova criatividade. Penso que a sustentabilidade como slogan deve ser substituída pela consciência que só vem da educação humanista. Por fim, penso num valor subvalorizado, mas muito importante: a felicidade.
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