"O medo tenta controlar o futuro", cabe-nos a nós não deixar que isso aconteça. Afinal, em qualquer mudança, existe medo. Medo de não corresponder, medo de não levar a tarefa até ao fim, medo do desconhecido. Como ultrapassar tudo isto?
Carolina Padilha, terapeuta especializada em mindfulness, meditação e práticas de regulação emocional, dá-nos algumas respostas. Mais do que enfrentar os medos, a especialista revela como fazer algo diferente do que esperam de nós e estar de consciência tranquila com esse percurso.
O primeiro passo para saber que precisamos de uma mudança é aprender a escutar o nosso corpo, porque só ele, e os sinais que dá, nos consegue dizer que está na altura de seguir um novo caminho, de fazer algo diferente. A mudança real "começa quando o corpo volta a sentir segurança para se abrir ao novo" e Carolina Padilha revela como chegar a esse estado.
O que diz a sua experiência sobre quem sonha com uma mudança de vida e quem realmente procura a mudança?
O que faz a diferença é a atitude e a ação guiada pela verdade interior. Todos sonham, mas a verdadeira mudança está em quem age, sendo poucos os que persistem até o fim.
O artigo Long-Term Adherence to Health Behavior Change (publicado em 2016 no American Journal of Lifestyle Medicine) analisou mudanças de comportamento relacionadas com a saúde, como alimentação, exercício, perda de peso, sono e controlo do stress.
O que se observou foi que a maioria das pessoas consegue mudar temporariamente, mas tem dificuldades em manter a nova rotina no longo prazo.
Alguns números gerais:
─ Nos primeiros 3 a 6 meses, a adesão às novas práticas pode chegar a 70–80%;
─ Após um ano, esse número cai drasticamente, para menos de 20%;
─ E, em muitos casos, as pessoas retornam ao padrão antigo, o chamado efeito rebote.
Ou seja, o entusiasmo inicial é elevado, mas a constância é o verdadeiro desafio. Isto acontece porque o cérebro humano é moldado para economizar energia, e tudo o que exige uma mudança de padrão (alimentar, mental ou emocional) ativa resistência.
Recomeçar exige presença, coragem e, principalmente, uma decisão: deixar de justificar o que não faz mais sentido e permitir-se a seguir em direção ao novo. Muitas pessoas esperam “o momento certo”, mas o momento certo nunca chega. É a ação que o cria.
Quem realmente muda é quem aceita caminhar, mesmo com medo, sem precisar de ter todas as respostas, confiando que o próximo passo se revela apenas quando o primeiro é dado.
Que papel tem o medo no processo de transformação e como é que o mindfulness pode ajudar a lidar com esses receios?
O medo é uma forma de controlo. A mente teme tudo o que é desconhecido e, para se proteger, tenta manter-nos dentro da zona que conhecemos, mesmo que essa zona já não faça sentido. É assim que muitas pessoas encontram o conforto no desconforto. Também é por isso que, no início de qualquer transformação, somos “testados” a permanecer onde estávamos.
Essa insegurança cria histórias convincentes: que é arriscado demais, que não estamos prontos, que é melhor esperar. Mas o medo não está a proteger a nossa alma; está a proteger o nosso ego. Ele tenta preservar o que é familiar, não o que é verdadeiro. É aqui que o mindfulness se torna uma ferramenta poderosa: ele ensina-nos a observar o medo sem o seguir. A prática de atenção plena permite reconhecer o movimento de defesa da mente e, ainda assim, escolher diferente.
Quando respiramos conscientemente, não eliminamos o medo, mas retiramos dele o poder de decidir por nós. O real e tudo o que existe é o aqui e agora. É precisamente quando escolhemos confiar, em vez de controlar, que a transformação acontece.
O mindfulness devolve-nos esse espaço entre o impulso e a ação. Nele, percebemos que o medo não é o fim do caminho, mas o limiar do novo. O medo tenta controlar o futuro. A presença devolve-nos ao agora, onde o poder realmente existe. Esse é o segredo.
O mundo impõe-nos padrões e expectativas externas. Como romper rotinas ou percursos "normais" e fazer algo diferente do que é esperado?
Romper com o padrão é, antes de tudo, um ato de amor-próprio. A sociedade ensina-nos que o sucesso é seguir uma linha reta: estudar, trabalhar, crescer, produzir ─ sempre em busca de mais, quase nunca em direção a si mesmo. Mas a alma tem um ritmo diferente.
A vida pede pressa, mas a alma pede calma. E não é por coincidência que, dentro da palavra calma, existe a palavra alma. Quando desaceleramos para ouvir essa voz mais profunda, percebemos que o “normal” é apenas o que foi repetido por muito tempo, não o que é verdadeiro.
Romper não é rejeitar o mundo, é viver de forma coerente com quem realmente somos, mesmo que isso desafie as expectativas externas. É entender que liberdade não é fazer o que se quer, mas viver o que se é. E esse processo raramente começa com grandes decisões; começa com pequenos gestos de presença: dizer não ao que não nos nutre, questionar o que fazemos por hábito, permitirmo-nos descansar sem culpa e escolher o silêncio quando tudo à volta grita.
Fazer diferente é lembrarmo-nos de que não há um único caminho certo. Cada alma tem um compasso, uma cadência e um tempo próprio para florescer. O percurso “normal” pode trazer segurança, mas dificilmente traz plenitude.
A coragem está em sustentar o ritmo próprio, mesmo quando o mundo nos cobra pressa, em continuar fiel à nossa verdade, ainda que isso nos torne diferente. Porque, no final, quebrar com o padrão não é sobre ir contra o mundo, é sobre voltar a favor de nós mesmos.
Fala-se muito em viver com propósito. Para quem sente que ainda não encontrou o seu, por onde começar essa descoberta sem se sentir pressionado?
O propósito não se “encontra”, ele revela-se quando estamos presentes na vida real. As pessoas esperam uma epifania, como se o propósito fosse uma resposta definitiva que muda tudo de um dia para o outro. Mas, na verdade, ele constrói-se na prática, nos detalhes, nas escolhas diárias que fazemos com consciência. O propósito não é algo fixo, ele muda com as fases da vida, assim como nós mudamos.
Cada etapa tem um sentido diferente: há momentos em que o propósito é construir estabilidade, noutros é romper padrões, cuidar de alguém, ou simplesmente aprender a cuidar de nós.
Durante os meus anos no mundo corporativo, por exemplo, o meu propósito estava alinhado com aquele ciclo: liderar, crescer, realizar financeiramente e profissionalmente. Aquilo fazia sentido naquele tempo. Mas chega um ponto em que a alma pede uma nova direção, e é nesse momento que o propósito começa a transformar-se. A vida é dinâmica e o propósito acompanha esse movimento. Por isso, mais importante do que tentar “encontrá-lo” é permitir-se senti-lo, em cada fase, com o que a vida está a pedir agora.
Começa por te observares:
─ O que te faz sentir vivo?
─ O que te dá energia, mesmo quando cansa?
─ O que te emociona profundamente, sem esforço?
Não procures uma resposta pronta; procura sentido. Quando fazemos algo com presença e intenção, mesmo que pequeno, o propósito vai-se desenhando naturalmente. Ele não é um destino final ─ é um estado de coerência entre quem somos e o que expressamos no mundo.
Há sinais físicos que indicam que algo em nós está pronto para mudar?
O corpo é o primeiro a saber quando algo precisa mudar. Muito antes da mente compreender, o corpo já envia sinais subtis: insónia, fadiga, aperto no peito, falta de ar, tensão muscular, irritabilidade. Existem muitos estudos que confirmam: toda a doença começa com emoções não digeridas.
O físico apenas expressa aquilo que o emocional tentou conter por demasiado tempo. Quando negamos o que sentimos (raiva, tristeza, medo, frustração), essas emoções não desaparecem. Ao acumular essas energias, com o tempo, o corpo começa a “falar mais alto”: primeiro com cansaço, depois com dor, e por fim, com sintomas mais profundos. Por isso, precisamos aprender a escutar o nosso corpo.
Nas práticas terapêuticas e de regulação emocional, usamos o corpo como bússola de consciência. Cada respiração, cada tensão, cada desconforto traz uma informação preciosa sobre o que precisa ser libertado. Uma prática simples e eficaz é respirar conscientemente. Inspira o ar pelo nariz, observa o ar a entrar e solta-o pela boca. Vê que emoção se apresenta, sem tentares controlá-la. Isso já ajuda a trazer clareza e a reorganizar-te internamente.
A mudança real não começa na mente, começa quando o corpo volta a sentir segurança para se abrir ao novo. É nesse ponto que a energia volta a fluir, o sistema nervoso relaxa e a cura começa a acontecer, de dentro para fora.
