cirurgia estética
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Espelho meu, espelho meu, que procedimento estético posso fazer a seguir?

Das histórias de arrependimento às de autoestima, o campo da medicina estética está tão minado quanto outro qualquer. Sentamo-nos com um médico e uma psicóloga e operamos de dentro para fora da questão.

"Gostava de pôr os meus braços à volta do meu eu mais novo e dizer-lhe o quão bonita já era. O quão segura eu me podia ter tornado sem ter recorrido a uma experiência tão invasiva.” A voz treme à medida que Carla, chamemos-lhe assim, relembra a sua lipoaspiração aos 18 anos. Hoje tem 35 e é a imagem de uma mulher confiante: divertida, inteligente, bem-sucedida, consensualmente bonita. O procedimento que realizou há anos não a define, mas diz espelhar o seu gradual processo de ganho de confiança e autoestima. Encaixa na típica história: cresceu “gordinha”, com as eventuais comparações com as amigas a chegarem quando percebeu que não recebia a mesma atenção dos rapazes na escola, e depois de períodos de dietas vai e vem, e algumas tentativas inglórias de incorporar uma rotina de exercícios físicos, a Internet deu-lhe a resposta.

“Lembro-me que o cirurgião me disse que se voltasse a ganhar peso toda a cirurgia teria sido em vão. Aquelas palavras nunca mais me saíram da cabeça, foi o início do meu distúrbio alimentar.” Com uma recuperação dolorosa dentro da normalidade para um procedimento deste género, o arrependimento de Carla não chegou logo. “Foram precisos muitos anos de trabalho de psicoterapia para perceber que o que fiz a mim mesma naquela altura foi um ato de violência contra o meu corpo. Não estava preparada”, conta. O corpo ficou mais afinado, sim, a silhueta alongou, mas os complexos com a sua imagem foram ganhando novas formas. Não pode dizer que se arrepende: sem essa cirurgia jamais teria percebido que precisava de muito mais do que uma nova barriga. Vê-o como uma lição.

"Quando agora penso, sinto que gostaria de ter mantido o nariz que tinha." Bella Hadid

Há muito mais histórias como as de Carla. Por exemplo, Bella Hadid, a modelo cuja imagem deve ser das mais requisitadas em clínicas, contou à Vogue o quanto se arrependeu de ter alterado o seu nariz aos 14 anos. “Quando agora penso, sinto que gostaria de ter mantido o nariz que tinha, o que a genética me tinha dado. Teria sido mais fácil crescer assim.” Bella confessou que sempre se sentiu a irmã “feia”, comparando-se constantemente a Gigi Hadid. “Sou a morena, não tão atraente como a Gigi. Não era extrovertida. Foi sempre o que as pessoas me disseram. E, infelizmente, quando ouves várias vezes a mesma coisa, acabas por acreditar”.

Dos filtros à realidade (ou vice-versa)

Nem todos os procedimentos estéticos são pura ‘vaidade’, geram desconforto ou terminam assim. Nem têm de ser alvo de julgamentos morais, também apontados por Carla, “como se nos sentirmos bonitos fosse algo fútil e que controlássemos”. Não é, como explica Cristina Sousa Ferreira, psicóloga da Oficina de Psicologia, a partir dos 10 anos o nosso cérebro passa por uma mudança fundamental que nos estimula a procurar recompensas sociais, incluindo a atenção e aprovação dos pares. “Entre as idades de 10 e 12 anos, as mudanças no cérebro fazem com que as recompensas sociais, elogios por um novo penteado, risadas de um colega de classe, comecem a ter um impacto muito mais satisfatório. As “hormonas felizes”, a oxitocina e dopamina, multiplicam-se numa parte do cérebro chamada estriado ventral, tornando os pré-adolescentes mais sensíveis à atenção e admiração dos outros”, explica a especialista.

E depois crescemos e não vale a pena alongarmo-nos sobre o quanto a sociedade atual dá importância à aparência. A nossa queda pela beleza não é de agora, mas as redes sociais colocaram-na mais à superfície. A validação trazida pelo número de likes e comentários, e uma comparação que vai desde celebridades a amigos à distância de um scroll está a criar ainda mais inseguranças e a dar novos nomes a distúrbios. Como a dismorfia do Snapchat, um fenómeno que faz com que muitos procurem este tipo de procedimentos com o objetivo de se tornarem cada vez mais parecidos com um filtro. “Gostamos que gostem de nós e gostamos de ser bonitos porque isso cria-nos a expectativa de que vão gostar de nós”, resume Cristina.

Tudo começa em idades sensíveis, suscetíveis e que requerem especial atenção. Segundo a psicóloga, em 2017, 55% dos cirurgiões plásticos relataram terem pacientes que lhes mostraram como querem melhorar a sua aparência através de selfies com filtros. “É importante reconhecer que, quando há um problema de saúde mental subjacente, como a perturbação Dismórfica Corporal (TDC), uma perturbação de humor ou uma perturbação de personalidade, este pode ser o motivo ‘pouco saudável’ que está subjacente ao desejo de procurar tratamento”, alerta a especialista.

Doutor, preciso de ajuda – e opinião!

David Valverde, médico especializado em Medicina Estética, pensa que estabelecer uma relação de confiança com o médico é um dos pilares essenciais para se gerir expetativas antes de qualquer tipo de intervenção. “Quando alguém decide fazer um procedimento de medicina estética, geralmente já tem em mente o que gostaria de fazer. Todos os procedimentos devem ser explicados ao detalhe ao paciente porque as pessoas nem sempre têm noção daquilo a que se propõem melhorar. Por vezes, as expectativas não correspondem à realidade daquilo que é possível fazer. Geralmente, quando explicado o que é ou não possível, os pacientes entendem."

"Não considero egoísta uma pessoa que quer tratar da sua saúde."

Há mais de dez anos na área da Medicina, olha para o conceito de saúde voltado para a área psicológica e social. Vê os seus pacientes como um todo e pesquisa até ao fundo as suas preocupações, até porque, salienta, "existem patologias que podem estar inerentes aos desejos do paciente e só através de uma boa história clínica, e de uma relação de empatia, é que se consegue fazer da medicina estética uma arte". Quanto a arrependimentos, admite que podem acontecer, mas que na sua experiência não são comuns. As pessoas chegam à clínica decididas e ninguém deve ter algum tipo de pudor em tratar-se. "Não considero egoísta uma pessoa que quer tratar da sua saúde."

Os tempos mudaram, as mentalidades também e a chegada de pacientes mais jovens confirma-se, mas nem sempre com expectativas niveladas. “Mas a grande procura continua a ser de pessoas a partir dos 35 anos, altura em que o seu rosto começa a acusar algum tipo de cansaço.” Acredita que não existe uma idade definida para iniciar procedimentos de medicina estética e gosta de trabalhar no sentido da prevenção, sempre com pés e cabeça. "Todos somos sujeitos ao crono e fotoenvelhecimento, devemos encarar todo o processo de uma forma holística para quando chegarmos a idades mais avançadas estarmos bem. Por exemplo, com o passar da idade vamos perdendo colagénio. Sendo este um processo que ocorre de forma natural, mesmo que uma pessoa não note, a sua pele está a perder qualidades."

Voltar os holofotes para nós: menos selfies, mais introspeção

O arrependimento da cirurgia pode não estar relacionado com o resultado final. As mudanças podem levar tempo a assimilar, para além de que quem deposita parte da sua confiança na opinião alheia pode não estar preparado para o escrutínio do pós. "No entanto, se está confiante da decisão de fazer a cirurgia, não permita que outras pessoas influenciem completamente sua decisão e diga a si mesmo: ‘Afinal, é o meu corpo, então, em última análise, é a minha escolha’", aconselha a psicóloga.

É importante desmistificar a ideia de perfeição e imagem associadas à felicidade, bem como a ilusão de que temos de gostar da nossa aparência todos os dias a toda a hora. A mudança passa por educar para a valorização de outros pilares como a família, a amizade, a curiosidade, a aprendizagem e o desenvolvimento pessoal, criando mais espaço para a autoaceitação e o desenvolvimento de outras qualidades. É como diz a psicóloga: "A experiência humana, com todos os seus altos e baixos, é bela e mais completa em si mesma, se retocarmos todas as partes feias perdemos a autenticidade e capacidade de aceitar imperfeições em outras áreas da nossa vida."

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