Podíamos falar do passado e de nomes a ele associado como os de Clara Zetkin, ativista e defensora dos direitos das mulheres que sugeriu a criação do Dia Internacional das Mulheres em 1910, ou o de Emmeline Pankhurst, ativista política e uma das fundadoras do movimento sufragista britânico. Mas neste Dia Internacional das Mulheres, 8 de março, escolhemos falar sobre o presente, em particular sobre Mayka Rodriguez.
Uma mulher determinada, que já correu o globo depois de se entregar ao mundo da hotelaria. Hoje, vive em Portugal e é diretora-geral do Sofitel Lisbon Liberdade, hotel de cinco estrelas situado em plena Avenida da Liberdade, que combina o luxo próprio da localização com o requinte francês do grupo Accor com mais de 120 hotéis espalhados pelo mundo.
Em cada país, Mayka teve uma experiência diferente e por cá, onde chegou para chefiar o Sofitel Lisbon Liberdade em 2017, defrontou-se com o desafio de gerir uma unidade hoteleira em tempos de pandemia.
Desde que começou a trabalhar há 28 anos no grupo Accor, Mayka Rodriguez tem tido um percurso profissional notável e faz parte da mudança de estigmas no mundo da hotelaria de luxo, habitualmente dominado por homens em cargos de chefia.
De rececionista a diretora-geral, a Versa foi conhecer o percurso desta mulher que lidera um dos hotéis de cinco estrelas de Lisboa.
Como é que começou todo o seu percurso?
Estudei Turismo e depois fiz um mestrado em Gestão de Direção Hoteleira. Porque efetivamente quando estudei Turismo dei-me conta de que aquilo de que mais gostava era hotelaria. Fiz depois o estágio em receção em hotéis em França e entrei para o grupo Accor na receção de um hotel que estava a abrir. Foi uma formação muito boa, porque sendo um hotel em abertura, tínhamos várias pessoas que não eram realmente de Paris. Houve uma boa integração e a partir daí cheguei a chefe de receção nesse hotel e fui para outro com a mesma função.
Sempre no mesmo grupo?
Sempre. Há 28 anos.
O que se seguiu depois de Paris?
Depois de Paris e outras regiões de França, fui para as Caraíbas, até que integrei a marca Sofitel na República Dominicana. Depois para dois hotéis míticos da marca Sofitel na Colômbia, numa posição já de diretora de alojamento. Passei ainda para aberturas e reaberturas de hotéis, nomeadamente em África, Guiné Equatorial e Egipto. Daí tive oportunidade de abrir o Sofitel em Abu Dhabi, ficando a cargo do alojamento e spa. Foi uma abertura muito interessante, porque só conhecia os Emirados Árabes Unidos de férias.
Ficou por lá muito tempo?
Pensei ficar no Médio Oriente, inclusive com outras das marcas de luxo que temos dentro do grupo Accor. Mas fiquei ligada à marca Sofitel, porque vivi o reposicionamento, vi o nascimento da Sofitel Legend e quando a montámos fui para Hanói, no Vietname, justamente para trabalhar sobre os standards da marca.
Adquiriu muita da experiência ao andar um pouco por todo o mundo.
Sim. Foi uma experiência de quatro continentes, nove países e quis continuar com a marca. Voltei para a Europa, numa cidade, Lisboa, que para mim é muito mais agradável do que outros destinos na Europa. E não foi tanto por estar mais próxima da família em Espanha, porque vivi muitos anos fora. Achei que era um bom projeto. Uma renovação de hotel, super bem localizado, no início de 2017, quando o boom de turismo de Lisboa estava a iniciar depois da crise.
Neste percurso passaram 28 anos. Sempre quis estar no cargo que ocupa hoje?
Foi um objetivo. O que não esteve sempre bem definido foram os destinos, muitas vezes eram oportunidades que surgiam. Foi bastante enriquecedor, porque passei por várias experiências, no mesmo tipo de posição, mas em destinos e hotéis muito diferentes. O que acabou por construir um bocadinho a minha experiência. Realmente acho que não foi um percurso muito longo nem demasiado rápido. Também é bom chegar com um certo amadurecimento a este tipo de posição, dadas as responsabilidades. É importante ter experiência porque não há um livro para gerir uma empresa, como bem sabemos.
Como é o seu dia no Sofitel?
São todos diferentes. Porque dependem muito das situações que têm que ver com um trabalho muito de perto com os proprietários, os investidores, de melhorar o produto, pensar nos projetos e investimentos possíveis. Também toda a parte obviamente humana, porque temos muita rotatividade, o que é normal , e é bom participar na fase de contratação. Também o contacto com o cliente. Depois a parte corporativa, projetos do próprio grupo, a parte do F&B.
Enquanto mulher, foi difícil chegar a este cargo?
A hotelaria tem mudado bastante e por sorte há cada vez mais mulheres nos cargos diretivos dos hotéis e das empresas. Em casos como o grupo Accor, há objetivos claros sobre a integração das mulheres nos cargos de direção. Nas outras marcas do grupo, que são 20, havia bastante equilíbrio a nível de direção e nas marcas de luxo era bastante mais complicado. Havia uma tradição muito mais forte de que na direção do hotel estivesse um homem. E isso está a mudar bastante, mesmo no Médio Oriente. Tenho colegas na direção de hotéis de luxo, o que não estava a ocorrer quando estava lá.
Nos Emirados Árabes Unidos, em que não existe um tratamento igualitário para com as mulheres, conseguiu exercer a autoridade como queria no seu cargo?
Normalmente sim, porque as pessoas são multiculturais. Dentro da equipa havia cerca de 50 nacionalidades diferentes. E sendo multicultural não havia muitas situações em que o papel da mulher fosse desvalorizado. Na direção de hotel, nas marcas de luxo, era um bocadinho menos representativo. Mas acho que vivi já num momento de transição.
Ao vir para Lisboa, acabou por ser mais fácil chegar a um cargo de direção?
Aqui foi mais fácil. Sou a primeira mulher diretora do Sofitel Lisbon Liberdade desde a abertura, há 30 anos. E de certa forma vi que no início, quando fui a certas reuniões de hotelaria em Portugal, que é um meio ainda muito masculino. Há muito mais diretoras de hotéis agora.
Não só por uma questão de igualdade de oportunidades, quais é que considera que são as vantagens de ter uma mulher num cargo de direção?
O hotel é uma casa grande, uma Maison, e são sempre exigidos talentos e qualidade para gerir uma casa grande, mas é certo que a mulher tem sempre aquele toque do detalhe. E acho que a mulher pode também entrar ao nível da gestão de talentos, de ter um acompanhamento um bocadinho diferente. Depois reconheço também que depende das marcas e o que é certo é que somos uma marca que tem um espírito muito de desenho, detalhe, moda, que se enquadra muito no papel da mulher.
Recorda histórias do percurso enquanto mulher na direção do hotel?
Já me aconteceu em reuniões ser a única mulher da mesa, com colegas de todas as nossas marcas.
Sentiu-se intimidada?
Não. Por acaso a maior parte do tempo era o contrário. Eram as pessoas que me mimavam mais de certa forma. Às vezes sentia um pouco o peso de haver muitos homens e ser como um clube. Depende muito das nacionalidades e dos percursos das pessoas.
Internamente no recrutamento, também se esforça por ter um equilíbrio de género?
Às vezes não coincide, mas quando de repente estamos a receber novos talentos e vou à receção e vejo muitos homens, aviso “cuidado, temos de tratar de encontrar mulheres”. A nível, por exemplo, da minha equipa direta são maioritariamente mulheres, mas acabou por acontecer.
No comité diretivo, certo?
Sim, mas não foi feito de propósito. Havia muitas pessoas já aqui antes de eu chegar e acabaram por continuar. É uma equipa que não vai por aí. Acho que cada um é especialista na sua área e não há essas análises de homem ou mulher.
Como prevê que seja o futuro da hotelaria?
Estamos num bom momento. Para já, há muita discussão, porque estamos no momento ideal para repensar esta profissão.
Em que sentido?
Não tem sido valorizada como devia. A hotelaria tem muitas horas, é um negócio que está em funcionamento sete dias por semana, todos os dias do ano, 24 horas. Estamos muito focados nessa parte, no que diz respeito à vida pessoal e profissional e à remuneração. E também estamos a falar das oportunidades rápidas ou melhores de crescimento em relação a outras indústrias, a possibilidade de mobilidade, de ter experiências noutros países. É um momento de valorizar a profissão. E acho que ao nível da mulher, já não há aquela escola de hotelaria em que vão muito para cozinha ou restaurante. Estamos a falar de estudos superiores e há muitas mulheres de turismo que passam à parte de hotelaria.
A própria Mayka consegue fazer um equilíbrio entre a vida pessoal e profissional?
O meu caso é um bocadinho diferente. É por isso que aconselho muito a pessoas que têm essa ambição, sejam homens ou mulheres, que tenham quanto antes uma experiência internacional. Para que quando quiserem estabilizar, constituir família, já tenham essa experiência feita. Apesar de muitas pessoas conseguirem. Tenho muitas colegas com filhos que mudam de país.
O que tem em perspetiva para o futuro do Sofitel Lisbon Liberdade?
O Sofitel é uma marca que está sempre a mudar. Não é estática, para adaptar-se também às novas gerações. Mesmo dentro do luxo, é um luxo moderno. Efetivamente, estamos num momento de revisão da marca, a nível de imagem. E vamos implementá-la através de eventos sociais, diferentes formas de comunicação e experiências para os nossos clientes. (...) Depois, a parte do wellness terá um papel fundamental, porque as pessoas querem cada vez mais experiências no hotel. Na parte da sustentabilidade, no ano passado eliminámos todo o plástico de uso único que chega diretamente ao cliente e este ano estamos a trabalhar a parte do desperdício de comida.