Diogo Miranda
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Diogo Miranda: "Sou um eterno insatisfeito"

Em 2022, Diogo Miranda celebra o 15º aniversário da marca homónima. Uma etiqueta que começa a preencher mais e mais o guarda-roupa das mulheres portuguesas – e não só.

De jovem promessa a um dos nomes mais bem estabelecidos da moda portuguesa, foram precisos exatamente 15 anos. Neste período, Diogo Miranda trabalhou, trabalhou e trabalhou. Conquistou um lugar de destaque no panorama nacional da moda, um lugar no guarda-roupa feminino e ainda um lugar no coração das mulheres.

Qualquer pretexto é um bom pretexto para falar com Diogo Miranda, o designer gosta de conversar e é de sorriso fácil. No centro do Porto, no Café A Brasileira, sentei-me à conversa com Miranda. Tínhamos tudo aquilo que precisávamos: um sol maravilhoso, um copo de vinho e um tema que gostamos, a moda.

Eis o resultado, condensado, de uma conversa sobre moda, cultura e futuro.

15 anos de carreira. O que é que isto significa para ti?

Em Portugal, significa quase um milagre. Acreditar e focar numa coisa, com muito empenho e dedicação – também dedicação financeira. Fazer com que as coisas resultem. Estou a fazer 15 anos de carreira e está muito coisa a acontecer, mas se fosse um criador que estivesse em Milão ou em Paris, passados dois anos ou três já tinha alcançado isto tudo. Acho que é isso que acaba por ser o mais desmotivante. Por outro lado, olhas para trás e vês todas as escadinhas que subiste até hoje e valeu a pena.

Ainda te lembras daquilo que te passou pela cabeça quando decidiste que querias fazer moda?

Muita gente me faz essa pergunta e eu não tenho uma resposta. Sempre foi uma coisa que me acompanhou. No meu caso era ligado ao calçado [o negócio da família de Diogo Miranda], mas eu queria fazer uma coisa mais criativa que me deixasse mais feliz, com mais estímulo. E isso, num sapato, sem querer desvalorizar, não tem tanto impacto. Foi uma coisa orgânica e natural. Se não fosse designer, provavelmente, seria arquiteto, designer de interiores ou alguma coisa assim.

Mas sempre na área criativa? Sempre te estimularam nesse sentido?

Acabou por ser muito orgânico, nunca andei atrás, sabes? Foi uma coisa que me veio ter às mãos. Mesmo a minha mãe e a minha irmã quando iam às compras tinham sempre bastante cuidado no que compravam, no que escolhiam, ou seja, peças que eram um bom investimento.

Vamos regressar agora ao início da tua carreira. Costumas rever as tuas primeiras coleções?

É um exercício horrível. É horrível. A Patrícia [Raposo, a PR de Diogo Miranda] pediu-me isso há uns meses e eu disse-lhe: “Nunca mais me peças para fazer isso.” Ao mesmo tempo pensas “ainda bem que passaste por aquelas etapas todas e por aqueles anos para depois chegares onde estás”. Hoje vejo uma coleção [mais recente] e vejo que isto sou eu. Mas se vir uma coleção de há oito anos digo: “Onde é que estava com a cabeça?”

Nunca foste às tuas coleções anteriores para te inspirares?

Às mais recentes, sim. Mas aquelas que têm mais de oito anos, não. Mas também acho que tive um período de transição que foi quando comecei a desfilar em Paris, em 2015. A partir daí senti aquele peso e aquela obrigação de crescer enquanto criador. Eu ia com o apoio do Portugal Fashion, mas era o meu nome que estava ali, portanto, se alguma coisa estivesse mal era o meu nome. A partir de 2015 senti que tinha a obrigação de, estação após estação, surpreender, de dar sempre o melhor. Mesmo assim, hoje, acabo uma coleção e passado uma semana fico a olhar para aquilo e digo que poderia ter feito melhor. Sou um eterno insatisfeito. 

"Sou uma pessoa que não gosta de estar muito parada. A monotonia, ou mesmo aquela coisa de estar a fazer a mesma coisa todos os dias, não funciona para mim."

Diogo Miranda fotografado por Dulce Daniel

Achas que vais fazer moda para o resto da tua vida?

Não. É muito stressante. Se bem que no outro dia estava a falar com um amigo e eu disse que me ia reformar daqui a cinco anos e ele disse uma coisa que eu achei interessante: "Não, tu vais trabalhar até morrer. Os artistas trabalham até morrer." Eu não quis dar importância, mas aquilo ficou aqui a pairar. Sou uma pessoa que não gosta de estar muito parada. A monotonia, ou mesmo aquela coisa de estar a fazer a mesma coisa todos os dias, não funciona para mim. Preciso de estar sempre com coisas novas. 

Podes continuar a fazer moda, mas não da mesma maneira que estas a fazer hoje.

Depois desta situação da Covid, aprendi a não fazer planos a longo prazo. Então estou a viver o dia a dia. A Patrícia estava a dizer, na segunda-feira, tu tens que mandar a morada para o Rui, e eu disse: “Não. Na quinta-feira eu trato disso.” Não consigo tratar de coisas com uma semana de antecedência. 

Gostas muito de cinema e isso é visível pelas partilhas no teu Instagram. Essas obras inspiram-te na tua fase criativa?

Quando estou a trabalhar a coleção de inverno, gosto de ver filmes mais dramáticos, mais invernosos. Se estamos no verão, gosto de ver filmes mais mediterrâneos e isso, naturalmente, acaba por ter mais influência.

Já desfilaste em Paris. Há outra cidade em que gostasses de desfilar, mesmo que não fosse numa cidade “da moda”?

Não. Só Paris, mesmo. Só Paris. Já fiz showroom em muitas cidades e sei, mais ao menos, o que é que cada cidade transmite. Odeio Berlim. Não gosto de Nova Iorque. Gosto de Londres, mas é ok. Paris acho que foi amor à primeira vista. 

E também acho que Paris é aquela cidade que mais se identifica com a tua estética. 

E comigo. É a cidade que mais gozo me dá. Quero imenso voltar a desfilar em Paris.

Achas que as pessoas têm a consciência do que é realmente o trabalho de moda em Portugal?

Não [este ‘não’ surge logo a seguir à palavra consciência, Diogo é rápido a responder]. É uma coisa que mudou um bocadinho desde o ano passado. Como as pessoas não podiam viajar ou tinham medo de viajar, senti uma grande procura. Eu sabia que as pessoas sabiam que eu existia, mas havia aquela facilidade de viajar e comprar fora. Foi uma coisa interessante que a Covid trouxe.

Estás a dizer que a Covid foi boa para ti?

Sim, nesse sentido. E este ano está a ser também. Acho que o ano passado abriu uma porta. E todo o trabalho de imprensa que eu acabo por fazer, escolher os meios em que queremos sair, as pessoas que queremos vestir, acho que isso tudo de certa forma - não quero parecer presunçoso - mas acho que acabo por me desviar daquilo que acontece no mercado português. Não me interessa vestir a pessoa mais famosa de Portugal. Ela até pode ter mil milhões de seguidores, mas depois os seguidores dela não podem comprar a minha roupa. Prefiro vestir uma do que vestir três ou cinco. E isso às vezes não é muito bem visto. Eu prefiro pouco, mas bom.

"Para mim é impraticável fazer uma coleção 100% conceptual e depois ficar com aquilo em arquivo quando tu nem tens meios de comunicação especializados em Portugal que sequer vão dar valor."

Mas ainda tens aquele medo de que a próxima coleção seja a última?

Se a próxima for a última é porque fecho o tasco. Sinto sempre aquele peso de surpreender, de fazer melhor. Há um conjunto de fatores que acabam por influenciar uma próxima coleção. O que é que se está a vender mais a nível internacional, todos os feedbacks que vais tendo acabam por te construir a próxima coleção. Por exemplo, a nível de cores: estas duas últimas coleções foram coloridas não por vontade minha, mas porque dentro da coleção que eu idealizei, eram aqueles tons que as clientes queriam comprar. Já vendi quase metade da coleção. É dar ao público aquilo que querem. 

E isso é importante, porque se não desses isso às tuas clientes era dar um tiro no próprio pé. 

É que depois estás em Portugal. No outro dia dei uma entrevista e puxaram para título uma coisa que eu disse que era: "Não podes ser conceptual em Portugal". Mas tu podes ser conceptual em Portugal, se tiveres um apoio gigantesco atrás de ti a nível financeiro. Aliás, eu, pela quantidade de pessoas que tenho a trabalhar para mim, chego ao final do mês e tenho que pagar ordenados. Mas isso não quer dizer que eu não tenho uma ou outra peça mais conceptual. Claro que tenho e posso dar-me ao luxo de fazer isso. Agora para mim é impraticável fazer uma coleção 100% conceptual e depois ficar com aquilo em arquivo quando tu nem tens meios de comunicação especializados em Portugal que sequer vão dar valor.

Ficas com algumas peças tuas para arquivo?

No outro dia estava a falar com a Patrícia sobre o arquivo e ela perguntou-me se eu não conseguia ter peças de todas as coleções. Eu disse-lhe que não porque fui vendendo e aquilo que não vendi destruí para fazer outras peças. Obviamente que posso ter uma peça ou outra, mas não tenho interesse em ficar com as peças em arquivo. Em Portugal ninguém dá valor.

E não tens esse interesse pessoal?

Às vezes acabo sempre por ficar, mas se estiver no atelier e chegar alguém interessado em comprar, eu vendo.

És super desapegado.

Não fico apegado às coisas que crio. Até chegar ao dia do desfile, até à última prova, até entrar a primeira modelo na passerelle aquilo é meu. Assim que a primeira modelo desfila, aquilo já não é meu.

Há uns tempos, em conversa com a Sónia Balacó, ela confidencio-me que a vossa relação evoluiu além de ser uma coisa criador-modelo/modelo-criador, para ser uma relação de amizade. Podemos dizer que a Sónia é uma das tuas musas?

Sim. Eu não gosto muito de dizer “ela é a minha musa”, porque acho que isso é demasiado volátil e efémero para teres só uma. A Sónia é uma das minhas musas. Tanto que nesta coleção tive a Sónia e a Luísa [Beirão, outra das musas de Diogo]. Ao longo destes últimos 15 anos, há muitas pessoas que passam por ti e há pessoas que acabam por ficar na tua vida, outras que não.

E de que forma é que elas te inspiram?

A Sónia acaba por ser mais no sentido poético, aquela coisa de viajar e sonhar. E a Luísa acaba por ser um bocadinho a loucura, mas que está sempre ótima e que é idolatrada por todas as mulheres em Portugal.

Hoje já consegues descrever o teu ADN?

O meu ADN acaba por ser um bocadinho timeless e é isso que eu quero e que estou a trabalhar. Comprares uma peça e, independentemente do valor dela, consigas usar até morrer e que passe para as tuas filhas, quase como se fosse uma peça de família. 

Tens sempre aquelas peças que fazes sempre questão de serem apresentadas em desfile?

Sim, aliás este último desfile, comecei a trabalhar muito mais vestidos, eu faço muito poucos separados. Mas a cliente procura mais vestidos do que propriamente coordenados. Tu com um vestido ficas logo vestido, com top e saia há sempre aquelas questões do que é que eu levo para baixo ou para cima.

Fazias gabardinas e depois deixaste de fazer. Há alguma razão?

Porque era uma coisa que não se vendia muito, era uma coisa que me dava gozo de fazer, mas depois não saía. O que é que me adianta fazer uma coisa que depois não se vende? Eu sou super business

"Acho que o país já deu o que tinha para me dar. Eu acho que é um bocadinho presunçoso, mas sou bastante ambicioso e olho para isto como um negócio."

Isto é um cliché gigante, mas onde é que te vês daqui a 15 anos?

Não em Portugal. Eu amo o nosso país, mas no final destes 15 anos eu olho para trás e acho que já consegui. Acho que o país já deu o que tinha para me dar. Eu acho que é um bocadinho presunçoso, mas sou bastante ambicioso e olho para isto como um negócio e o público olha para isto como ir a um concerto ou algo mais banal. Eu não, eu olho para isto como um negócio. E tu tens o exemplo: “tu fazias gabardinas e deixaste de fazer”. Deixei porque não vendia, ponto.

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