Há poucas semanas ficámos a saber que o homem mais rico do mundo se chama Bernard Arnault, o presidente do grupo LVMH - Louis Vuitton Moët Hennessy (o maior conglomerado de luxo francês), com uma fortuna avaliada em cerca de 192 mil milhões de euros. Ou seja, não é um “tech bro” a liderar o ranking da Forbes, a verdade é que Elon Musk foi destronado e ocupa agora o segundo lugar. E serve este breve contexto para ir ao que realmente interessa: O LUXO é um dos mais importantes mercados na Europa.
A mensagem fez-se ouvir de forma bem clara em Londres (Inglaterra é o maior mercado de luxo europeu), cidade que recebeu grandes nomes da indústria no Walpole British Luxury Summit 2023, para um dia de reflexão sobre os desafios atuais deste mercado. Portugal fez-se representar pela Laurel (Associação Portuguesa de Marcas de Excelência) e alguns dos seus Associados, e a VERSA acompanhou, em exclusivo, a intervenção dos oradores que falam de luxo associado à criatividade e a ligações emocionais. Mas também ao que podemos chamar de soft powers como o respeito pela humanidade, ter uma verdadeira filosofia de marca e negócios de luxo com alma, coração e gentileza. “O mais difícil do mundo é amar” ouviu-se no palco: “E eu só dou o meu dinheiro a uma marca de luxo que tenha sentimentos como os meus”. Assim, in your face: Senhores, isto é o luxo de hoje.
Há aquela velha máxima de que o luxo é resiliente mesmo em cenários de crise económica, e a máxima renova-se no contexto atual incerto porque é “sinónimo de escapismo, quando a sociedade vive o seu momento YOLO (You Only Live Once)” explica Katie Prescott, editora de economia do The Times. O mercado global do luxo já recuperou totalmente no pós-covid, impulsionado pelos chamados produtos e experiências pessoais de luxo. Depois de 2022 ter sido um ano recorde, os dias de "revenge spending" ainda parecem estar para durar. Mas ainda assim, há alertas: “No final desta década o made In China vai valer mais do que o made In Europe ou o made In USA. E as marcas britânicas têm de ser mais 'Bernard Arnault', não terem medo, usarem a sua reputação, longevidade e experiência. É o mais importante atualmente, temos a oportunidade de colocar o luxo no centro da economia britânica”, deixa como mensagem à sala (lotada com as mais diferentes nacionalidades) Helen Brocklebank, CEO da Walpole.
Inspira-se em marcas como a dunhill, que, apesar dos seus 130 anos, faz da sua herança… um estilo. “É importante pensar futuro, mas sem deixar de pensar no passado e é aí que está o ADN da marca. Hoje, o cliente dunhill é um conhecedor que entende o lado artesanal, que entende o luxo, não temos um perfil com base em idades ou origens. Trata-se do que sentem com uma peça da marca, tem de existir uma relação real entre a pessoa e a Casa. Hoje, somos uma marca global e criamos aqui, mas a pensar no mundo” explica William Oliver, diretor de marca dunhill.
Depois há também casos como a sempre sexy (há quem prefira clássica, eu prefiro sexy) Bentley, uma das marcas mais personalizadas do mundo. O luxo também é isso, e muito. “Há 20 anos tínhamos quatro cores, hoje posso dizer que temos todas as cores nos nossos automóveis e, acreditem, há clientes que personalizam tudo, mesmo tudo. Já vi nas nossas instalações um carro cor-de-rosa, com o teto vermelho e com rosa também nas rodas…” diz com graça Adrian Hallmark, presidente e CEO da Bentley Motors. E,espantem-se (ou não), as mudanças na China nos últimos cinco anos fizeram com que “os 36 anos seja agora a idade média com que se compra lá um Bentley. O nosso cliente mais jovem tinha 23 anos”. Algum burburinho, alguma surpresa na sala, mesmo com uma plateia de profissionais do setor do luxo.
E neste caso nem é o Britishness a guiar o sucesso da Bentley. “A engenharia britânica não é vista como a melhor do mundo, os clientes valorizam, sim, a marca, o nosso estilo, a qualidade, a forma como fazemos as coisas ao longo de todo este tempo” explica o CEO. E é muito claro quanto aos desafios da indústria: “Os nossos clientes não compram um elétrico porque estão a pensar na sustentabilidade, mas sim porque nós acrescentamos outros layers, melhorias no carro, pode ser um melhor sistema de som, mais conforto… É nesses detalhes que se focam e só depois no facto de até ser um elétrico.”
“A SOFISTICAÇÃO CULTURAL É O NOVO LUXO”
A China. Sempre a China. Se o tema é luxo, chegamos sempre à China. Aos nossos olhos pode estar meio adormecida como o principal cliente do luxo europeu que era até aqui (força das restrições ainda das viagens), mas internamente vive uma profunda transformação ou - porque não - uma revolução.
“Tudo mudou desde a pandemia”, começa por dizer Chloé Reuter, uma das fundadoras da agência Gusto Collective (pessoalmente, uma das presenças mais aguardadas do dia). “A China transformou o luxo global a uma velocidade quase impossível de acompanhar e criou o seu próprio ecossistema”. Ou seja, nos últimos anos, as marcas focaram-se nos consumidores internos, desenvolveram-se as plataformas de consumo e de compra digital de produtos de luxo e há um grande foco nas experiências. Também a "cena cultural explodiu" e assiste-se a marcas que hoje alugam espaços em museus. “A sofisticação cultural é o novo luxo”, diz Chloé, “a Cartier, por exemplo, numa recente exposição, mostrou um enorme respeito pela cultura chinesa. O conselho que dou é o de confiarem nas vossas equipas locais e respeitar sempre a cultura do país”.
"Quando saio da China entro no Terceiro Mundo, a China está cinco anos à frente do resto do mundo. A pandemia acelerou de tal forma a tecnologia que ninguém aceita dinheiro nem cartões, não se consegue comprar um café, é um mercado que vive das aplicações, um mercado muito excitante, onde tudo se compra em livestreaming", conclui Chloé.
“SOMOS CIVILIZADOS PORQUE COMPRAMOS”
Ou, como diria a artista Barbara Kruger, “I Shop Therefore I Am”. Contagiante na energia em palco e provocador q.b., Chris Sanderson, co-fundador da agência de tendências The Future Laboratory afirma que a “arte de consumo é a arte de transformação": "Somos civilizados porque compramos e, nesta corrida tecnológica e de consumo, há uma nova experiência de luxo”. Na última década, a personalização tornou-se vital no retalho de luxo, mas as questões/legislação ligadas à privacidade fazem com que frequentemente o cliente tenha de decidir como se quer relacionar com as marcas. “Num estudo recente, 63% dos inquiridos concorda com a personalização, desde que as marcas usem a sua própria data e não a comprem”. Dessa forma, e contando já com a IA, será possível criar experiências de retalho mais personalizadas, chamadas bespoke e dizemos assim adeus aos dias “one size fits all”.
Segundo o The Future Laboratory são três as tendências a marcar o mercado do luxo: Maximalism Mindset (depois do "revenge spending", o consumidor global de luxo será mais seletivo, valorizando o que o preenche, o que é raro e uma experiência digital personalizada); Embedded AI (71% do retalho irá aumentar o investimento em IA já no próximo ano); Individuals vs Algorithms (a personalização passa pela humanização do algoritmo no nosso feed de recomendações).
Simplificar a compra. É a regra. Para o cliente de luxo encontrar um produto ainda continua a ser um desafio. E depois é acrescentar tecnologia, muita. Das flagships stores virtuais aos bots cada vez mais sofisticados através da IA, ao uso da chamada sentiment analysis que sugere o produto de acordo com a nossa personalidade, até à entrada na era O2O – owner to owner, com os clientes a co-criarem a jornada ou experiência de compra. E quem é o consumidor de luxo em 2030? “Os jovens, os mais jovens de sempre na história do luxo. Sei que pode ser difícil de aceitar, mas acreditem quando vos digo que já há quem queira comprar um Lamborghini aos quatro anos”. E, senhores, sim, isto também é o luxo de hoje.
"Para Portugal e para as marcas portuguesas este Summit e outros são importantes porque nos permite aprender com as outras marcas que estão no mercado do luxo há mais tempo ou com outras dimensões e também pelo networking que estes eventos permitem. Por outro lado, é importante colocar Portugal nestes radares da excelência, do luxo, e a Laurel tem esse papel importante que é ajudar na internacionalização de uma forma até agora impossível, uma vez que somos membros da Eccia (The European Cultural and Creative Industries Alliance)”, conclui Francisco Carvalheira, secretário geral da Laurel.