Elas são cuidadoras e frágeis, por isso ficam com as lides domésticas. Eles são líderes natos e fortes, por isso ficam com os cargos de poder. Aquilo que parecem ser observações bastante antiquadas chegam agora de rompante ao moderno mundo do Tik Tok.
Muito do conteúdo desta rede social está a empoderar-se de uma nova tendência sexista que enfraquece a luta pela igualdade de géneros. Pelo menos, é esta a preocupação sentida por aqueles que defendem os direitos das mulheres. A questão que aqui trazemos baseia-se num conteúdo abstrato, mas vamos passar a explicações concretas.
Chamam-lhe o “divino masculino” e o “divino feminino”, termos que já ganharam hashtags no Tik Tok com milhões de publicações. Rótulos que parecem, por si só, sublinhar os clássicos estereótipos de género, agora envolvidos em espiritualidade.
Este diálogo “divino”, que discute o que é próprio do feminino e o que é próprio do masculino, é primeiramente sugerido por alguns crentes espirituais (aqueles que acreditam em energias para a explicação do Cosmo e do “eu”). Essencialmente, falamos de um “eu” masculino versus um “eu” feminino. Cada uma destas energias tem os seus valores e traços definidos. Na génese desta proposta, encontramos o feminino como o “recetor” delicado, emotivo e generoso; e o masculino como o “dador” forte, agressivo e determinado.
Carolina, presença assídua no Tik Tok e uma espécie de mentora holística do bem-estar, é uma das muitas pessoas que propaga esta mensagem. Distingue as energias e explica que existem atividades masculinas, que incluem exercícios de alta intensidade, disciplina e "um sentido de direção na vida", e atividades femininas, que envolvem "submissão" e "um coração aberto ao amor".
Não diz que as mulheres apenas se regem de energia feminina ou que apenas se definem por essas características, e vice-versa. Mas muitas destas explicações subentendem que ambas as “divindades” devem procurar a identidade de género respetiva para uma espécie de “cura”. Um discurso problemático para um caminho que corre o risco de se tornar misógino ou misândrico.
Explorar estas características e seguir a crença patente nestas energias não será o problema, muito menos a liberdade de escolha de cada um fazer o que bem entende. Mas, quando entra em cena a imposição de papéis de género, já para não falar da forma perigosa como alguns recebem esta mensagem, torna-se problemático. Exemplo disto é o tiktoker e autoproclamado coach Zak Roedde que, num vídeo, explica “por que os homens masculinos amam as mulheres femininas”, encorajando as mulheres a serem submissas.
Que seja por culpa da energia feminina, mas a verdade é que este discurso deixa muitos amedrontados. Esta linguagem é indesejável e retorna a um tempo para o qual a maioria não quer voltar. Até porque o epítome do papel conservador tradicional da mulher também já ganhou hashtag própria, “TradWife” [esposa tradicional, na tradução].
Posto tudo isto, esperemos que o menino e a menina não corram o risco de entrar em caixas e caixinhas estereotipadas e que o caminho se faça para a frente. Até porque num mundo cor-de-rosa, esta é uma cor que fica bem a todos.