Steve McCurry
Design e Artes

Em Lisboa, Steve McCurry convida a embarcar numa viagem pela sua vida e obra

Exposição 'Icons' mostra mais de 100 fotografias que atravessam mais de 40 anos de carreira do fotógrafo norte-americano. Para visitar até janeiro, na Cordoaria Nacional.

À sua volta, só se avista água. Ao centro, emerge um homem de rosto agastado mas sorridente, que carrega em ombros uma máquina de costura enferrujada que a custo mantém à tona de água. É sobre esta fotografia, tirada em Porbandar, na Índia, em 1983, que Steve McCurry se detém durante uma visita com jornalistas à exposição que abre ao público esta sexta-feira, na Cordoaria Nacional, em Lisboa. ‘Icons’, que antes passou por Madrid, é uma retrospetiva dos mais de 40 anos de carreira do fotógrafo norte-americano, conhecido por algumas das fotografias mais presentes no imaginário das pessoas em todo o mundo – como é o caso do retrato de Sharbat Gula, ou a Rapariga Afegã, como ficou conhecida, fotografada em 1984, no Paquistão, que foi capa da revista National Geographic. Mas já lá chegaremos.

Ao entrar-se na comprida laje da Cordoaria Nacional, por onde a exposição com mais de 100 imagens serpenteia, a escuridão impera. Há um negrume que apenas é quebrado pela intermitência de focos de luz cirurgicamente colocados no teto. Ao parar diante da imagem feita na Índia durante as monções, na cidade onde Gandhi nasceu, McCurry chama-nos a atenção para um detalhe. “A iluminação é tão importante na fotografia, mas também numa exposição. É ela que ajuda a focar a atenção e acho que nos ajuda a entrar dentro da imagem.”

“Estava nesta cidade na Índia chamada Porbandar, em 1983. Era um alfaiate e a sua loja tinha sido destruída. Conseguiu apenas salvar a máquina de costura”, recorda o fotógrafo, sobre o momento que retrata uma situação dramática que teve um desfecho mais ou menos feliz  – a marca da máquina entrou em contacto com Steve McCurry para conseguir enviar um novo exemplar ao homem cuja fotografia apareceu na National Geographic. Biba Giacchetti, curadora da exposição, interpela com entusiasmo o fotógrafo de 72 anos. “Esta fotografia pertence a uma coleção sobre monções, que foi um dos primeiros grandes projetos que o Steve fez”, atira.

Foi em 1962, na casa da avó, que McCurry se cruzou pela primeira vez com as fotografias de um ensaio sobre o período de monções, na revista Time. “Pensei ‘isto é um sítio mágico’. A chuva era tão dramática, pensei que gostaria de ir lá [à Índia] um dia. Quando tinha 28 anos, comecei a viajar e percebi que as monções eram uma parte tão importante desse país e da sua cultura”, explica à medida que percorre o circuito da exposição organizada em parceria pelo estúdio Sudest57, que representa o fotógrafo, e as empresas SoldOut e Fever.

Os visitantes da mostra, que fica patente até janeiro próximo, podem escolher a ordem de observação das imagens. Depois de dez anos de trabalho e de mais de 24 exposições realizadas em conjunto, a italiana Biba Giacchetti quer que haja “liberdade” ao encarar-se o  corpo de trabalho na exposição que vai desde 1983 até 2019.  “É uma exposição que mantém a nossa mente em movimento. O Steve é um fotógrafo ativo, que fotografa todos os dias, por isso há imagens muito recentes.” A conjugação das imagens também não tem nenhuma cronologia ou significado aparente. “Decidimos misturar, países, anos. Pode ir-se para a frente e voltar-se para trás. As fotografias estão nuas, não há molduras. É como uma conversa entre o público e as imagens”, sugere a curadora. “O que é muito especial no Steve McCurry é essa relação direta que ele estabelece com quem fotografa.”

O seu fascínio pela região do sudoeste asiático, que fotografou extensivamente ao longo de mais de 40 anos, surgiu “quase de forma aleatória”. Depois de ter passado algum tempo em África e na América do Sul e de ter estudado na Europa, McCurry procurava um novo sítio para ir. “A China era difícil e a Rússia também”, enumera. “Pensei que a Índia era um país vasto e incrível, com muita história e cultura. O que começou com uma viagem de seis semanas tornou-se numa viagem de anos”, afirma, com um sorriso. O momento captado em Agra, na Índia, em 1983, é a prova dessa atração pela região e, de certa forma, um documento histórico. A locomotiva a vapor envolta em fumo, com o Taj Mahal em pano de fundo, já é algo do passado. “As locomotivas já não existem e essa linha de comboio também não. Nesse local, agora há árvores, casas e um parque. De certa forma, é um pedaço de história de algo que nunca mais se vai repetir”, considera.

Para McCurry, uma das grandes magias da fotografia “é poder olhar para uma imagem sem legendas e atribuir-lhe significado”. “Podemos olhar e imaginar a história na nossa cabeça e ter uma teoria, uma interpretação do que pensamos que aconteceu”, elabora. Uma das imagens penduradas no escritório de Biba em Itália é a de uma criança a correr no dobrar de uma esquina. “Muitos colecionadores vêem essa imagem e é muito interessante ver as diferentes reações das pessoas a essa imagem. Para mim, é uma imagem alegre, cheia de energia. Outro colecionador disse que era dramática. ‘O que será que vai acontecer ao rapaz ao virar a esquina?’ Cada um tem uma diferente interpretação”, exemplifica a curadora.

Com uma carreira tão longa, o que ainda está por alcançar e quais são as histórias que ainda despertam curiosidade em Steve McCurry? “Só quero ajudar as pessoas a viverem as suas vidas. A imagem de uma criança com uma pedra pesada sobre a cabeça [presente na exposição]  é muito estranha, no sentido em que podemos olhar e ser desolador pensar nos nossos filhos assim. Dar sentido às imagens é o que me interessa. Acho que é uma das grandes coisas da arte”, argumenta. Aos 72 anos, depois de ter sido pai há cinco, McCurry continua a gostar de ir “a sítios novos e de descobrir coisas novas”. No verão, esteve na Islândia a fotografar e visitou a Antártida antes do começo da pandemia. 

Mas, na mente de um fotógrafo, a passagem do tempo e o passado estão sempre presentes. Ao olhar para outra das suas imagens, McCurry recua a 1994, quando em Mumbai deu por si “numa situação surreal numa espécie de praia”, para onde trazem navios que serão desmantelados. Nessa imagem, um dos operários  fita o fotógrafo com um olhar intenso e desconfiado, mas só com “coragem e confiança” é possível chegar ao âmago destas pessoas, acredita McCurry. Em Lisboa, diz Biba  Giacchetti, o público embarcará numa “pequena viagem pela vida e o trabalho do Steve”.
 

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