Entre as várias modalidades que vão passar pelos Jogos Olímpicos de Paris 2024 entre 26 de julho e 11 de agosto, algumas até com atenção da realeza, está o boxe, que este ano tem uma estreia feminina de peso.
A atleta de 35 anos Ivanusa Moreira, também conhecida como Nancy Moreira, é a primeira atleta feminina cabo-verdiana a conseguir o apuramento para os Jogos Olímpicos na modalidade de boxe e, apesar de representar Cabo Verde, considera que está também a representar Portugal.
Mudou-se para cá com apenas 8 anos e foi aqui que cresceu, constituiu família, tornou-se cozinheira e começou a dedicar-se ao boxe com 23 anos, na altura apenas com o foco na perda de peso. Contudo, passou a ser uma forma de autoconfiança, o que a motivou a continuar e a chegar cada vez mais perto do sonho: conquistar o 1.º lugar mundial do boxe feminino nos Jogos Olímpicos.
Mas quem é verdadeiramente Ivanusa Moreira? Em entrevista à VERSA, a atleta revela tudo sobre a vida paralela que envolve por vezes socos, por vezes frigideiras.
Quem é a Ivanusa Moreira fora do desporto?
Sou uma mulher normal, uma cidadã comum. Trato da casa, cuido da minha família, saio com os meus amigos. À parte do meu dia-a-dia de atleta, costumo dar aulas particulares de fitness e de boxe para o meu sustento e para me ajudar nas despesas dos torneios. Mas o que gosto mesmo é de ir buscar o meu filho à escola e passar o máximo tempo possível com ele. Tem apenas 6 anos. Além disso, sempre que dá, gosto de ir visitar a minha mãe.
É cozinheira de profissão. Qual a sua especialidade?
Sei cozinhar de tudo. A minha mãe é cozinheira, então sempre aprendi a fazer todo o tipo de comida, essencialmente comida portuguesa. Recentemente, abri uma hamburgueria e aprendi muito sobre essa área de fast food.
Quem é a Nancy Moreira atleta?
A Nancy Moreira atleta é uma mulher muito ambiciosa, uma mulher cheia de sonhos e com muita vontade de vencer na vida. Comecei o boxe com 23 anos, um pouco tarde, mas rapidamente evoluí para os grandes palcos internacionais. Consegui vencer importantes torneios da modalidade e neste momento estou nos Jogos Olímpicos. Estou a treinar bastante para conseguir fazer uma boa competição e, claro, quero chegar às medalhas. No ano passado já consegui excelentes resultados a nível mundial, participei num torneio internacional nos Camarões, o Campeonato Africano e, com o resultado dessa competição, fiquei no ranking n.º1 em África e passei para o n.º2 no mundo.
Há quanto tempo vive em Matosinhos?
Vim para Portugal com 8 anos, na altura para viver com os meus pais no Porto. Depois comecei a praticar vários desportos e conheci o meu marido. Estou em Matosinhos, concretamente Leça da Palmeira, há 13 anos desde que vivemos juntos.
Do que sente saudades de Cabo Verde?
De Cabo Verde sinto falta dos meus amigos, porque vim muito pequena, mas tenho muitas recordações de brincar na rua, da liberdade que nós tínhamos e que hoje em dia não é possível para as nossas crianças em Portugal, existem muitos perigos.
Qual a sensação de representar Cabo Verde nos Jogos Olímpicos de Paris 2024?
A sensação é boa e de muita responsabilidade. Sei que represento uma nação inteira e costumo dizer que não represento só Cabo Verde, represento também Portugal, porque foi Portugal que me recebeu e é onde eu treino e tenho a minha vida. Logo, sinto-me responsável por representar as duas nações. Não me traz um peso, mas sim uma responsabilidade boa.
Há quanto tempo sonha com esta participação? Sempre achou que era possível?
Sonho com esta participação desde que comecei a praticar boxe há 12 anos. Sempre fui muito ambiciosa e sempre quis ser reconhecida pelo meu percurso desportivo, então chegar a este patamar é sem dúvida um sonho realizado.
Porquê a modalidade boxe? O que a fascina neste desporto?
O que me fascinou no boxe na altura foi mesmo a facilidade em perder peso. Facilidade entre aspas, porque é um desporto muito duro, mas que dava resultados. Traz benefícios variados e fisicamente trouxe-me benefícios gigantes. Perdi muito peso quando comecei e esse foi um dos motivos que me cativou. Mas, com a experiência, vejo que o boxe me trouxe também uma autoconfiança que eu não tinha quando jogava futebol, fiquei muito mais confiante e isso ajudou-me inclusive na minha vida profissional e a acreditar em mim e em tudo o que fazia no meu dia-a-dia. É um desporto que alivia muito o stress diário do trabalho, logo, desde que comecei a praticar boxe, fiquei uma pessoa diferente, muito mais calma, mais paciente e aberta a outras coisas.
Esta é uma modalidade de luta. Que outras lutas a deixaram mais forte e a levaram onde está hoje?
Sinceramente, as maiores dificuldades que senti na vida estão relacionadas com o boxe. Este desporto recebe muito poucos apoios e fez-me travar algumas batalhas. Muitas das minhas participações em provas internacionais foram financiadas por mim e por familiares e amigos. Estou muito feliz pelo apoio que tenho agora dos Heróis Betano, que me ajudaram nesta dificuldade. Apesar do boxe ser parte do problema, o desporto ensinou-me a lidar com as adversidades da vida e até com algum preconceito.
Quem é que a inspira?
A minha maior inspiração é o Muhammed Ali, o melhor atleta de todos os tempos. A sua história de luta, alguém muito importante para a modalidade, incentiva-me a querer mais e mais todos os dias.
Integra o projeto de Responsabilidade Social Heróis Betano. O que isso significa para si?
Significa muito para mim. Fazer parte deste programa de apoio de uma marca grande e reconhecida porque acreditaram em mim, no meu projeto desportivo e nos meus sonhos. É sem dúvida uma mais valia para mim e para a minha carreira. Permitem-me continuar a sonhar com mais e melhor.
Independentemente do resultado nos Jogos Olímpicos de Paris 2024, como acha que esta participação vai impactar os cabo-verdenses?
Acredito que vai ser positivo, porque até hoje nunca tínhamos tido uma atleta feminina a conseguir o apuramento para os Jogos Olímpicos na modalidade de Boxe. Então acho que vai servir de incentivo a muitas mulheres, que começaram tarde como eu a batalhar por esse sonho, a deixarem de pensar que é impossível. Eu também passei por muitas dificuldades e consegui porque nunca desisti.
Tendo em conta que é cozinheira de profissão, fazendo uma analogia, a que prato saberia a vitória nos Jogos Olímpicos de Paris 2024?
Sem dúvida, camarão tigre (risos). É o meu prato preferido.