E por também nós não sermos indiferentes ao talento de Kwame, só podíamos querer integrar as peças do artista no evento de lançamento da Versa e saber mais sobre o percurso daquela que é uma mão cheia de arte.
Do princípio: quando nasce a pintura para ti?
O meu sonho era ser piloto. Foi por aí que segui os meus estudos. Mas o bichinho da pintura sempre esteve lá desde os 7 anos. Foi no final do secundário, mesmo ainda estando na área da pilotagem, que percebi que era uma coisa mais forte. Quando não deu certo para ser piloto, agarrei o outro sonho.
Quando é que a pintura se tornou a tua principal forma de expressão?
Quando vim para Portugal em 2000, já vim para estudar arte. Vim fazer Artes e Ofícios do Espetáculo no Chapitô. Nessa altura de formação, já trabalhava com pequenas galerias, já participava em bienais e desenvolvia projetos. Já expunha o meu trabalho. No caso da bienal, tive até oportunidade de estar ao lado dos grandes artistas já muito reconhecidos, o que foi um orgulho.
Sobre a tua mais recente exposição - que integrou o evento da Versa - qual foi a inspiração?
Esta coleção antecede à coleção de Reino Angular. Tenho tentado ir buscar mais sobre as origens e as experiências do povo africano. Somos dos povos com mais história para contar até aos dias de hoje. Está tudo um pouco obscuro. A arte ajuda a expor, a clarificar. Esta coleção é o empoderamento do homem negro, eu chamo mesmo o homem preto, porque penso que é importante chamarmos as coisas pelos nomes. O Reino Angular resultou em várias exposições e depois de quatro anos de muitos estudos sobre o passado das origens de São Tomé, quando terminei o Reino Angular, senti uma necessidade de contar mais história. O empoderamento do homem preto foi esse salto. Deixei de contar a minha história, do meu povo, do meu país, para contar a história dos africanos. Fui buscar imensas referências de pessoas importantes para mim e para a história, como a Rainha do Gana e Luther King.
Cada quadro é como que uma forma de eternizar determinados momentos da história do homem preto e de fazer lembrar de que é feita essa história. Alguém uma vez disse: "Um povo sem cultura é um povo sem identidade". Eu concordo. A nossa cultura não passa só pelos nossos hábitos tradicionais atuais, mas pela nossa historia, nós fomos escravos, fomos colonizados. Mas chegámos ao fim deste tempo com algum empoderamento. É certo que a historia está ligada à mágoa, à raiva e recalcamento, nós fomos escravos, mas já não somos. Enquanto fomos escravos, trabalhámos para o deixar de ser, não nos foi dado de mão beijada. Hoje, continuamos a lutar. Quando falo da escravidão, falo da liberdade, porque é preciso não ter para saber ter.
A história - ela vinga-se! Não de uma forma paternalista, mas de busca dessa identidade que se desvaneceu durante muitas vezes quando saímos do nosso continente. Lugares onde a história de transporte dos escravos que se revolucionaram em grandes lutas, em grandes debates, em grandes atitudes.
Ainda sobre esta coleção, qual foi o primeiro retrato que pintaste?
O primeiro retrato que fiz foi o de Nina Simone. A historia dela fez-me pensar na questão do empoderamento. E acaba por nem estar aqui, nem o trouxe para a exposição. Ela é afro-americana. Com todas as suas questões de empoderamento da mulher negra e da mulher. Quando viajou para África, foi lá que se sentiu em casa. Mas ela não é africana.
E qual a peça que eleges como a mais representativa desse empoderamento e que mais identifica a tua forma de expressão?
Para mim, é a peça TRANPORTE. Que é emblemática. Ainda é na verdade produzida dentro do Reino Angular. É uma peça que faz a ligação entre as duas exposições. É uma peça que simboliza o transporte, aquelas figuras são ligadas à forma como os escravos eram transportados dentro dos navios negreiros. Só que ela é pintada de uma forma dramática, pintada de uma forma alegre. Porque isso fez parte da nossa história de uma forma ou de outra, claro que existiu sofrimento, mas é a história que temos. Esse empoderamento vem contar a historia dessa centena de anos em que os homens pretos sofreram durante a escravidão e trabalho pesado, mas que nunca deixaram de lutar.
Não dá para simbolizar toda a gente, mas quando contamos a historia de um, contamos a de outros.
A Versa teve o prazer de ter a tua exposição no nosso evento. Um projeto futurista, com uma exposição que retrata uma viagem às origens. Um cruzamento entre a tua história e passado com a importância que nós damos ao futuro e à antecipação do mesmo. Também te fez sentido esta reunião entre passado e futuro?
Uma coisa é certa: não existe futuro sem passado. A forma como a história permite que o atual seja um atual muito mais evoluído, a forma como podemos usar o atual para contar a nossa historia e como o atual se pode tornar mais rico pelo passado é genial. Estamos no mundo desenfreado. Esta união serve para comunicar mais diretamente e fazer chegar mais longe estas histórias. Já ninguém vive sem essa necessidade de saber logo tudo, das novas tecnologias, de inovar, mas também é preciso saber que existiu um passado.
No futuro, quando se falar sobre alguma coisa que tenha a ver com o empoderamento do homem preto, que seja de uma forma mais suave.
Se tivesses que deixar uma mensagem ao homem negro - preto, como tu dizes - dos dias de hoje, sobre esse empoderamento com que já nascem, o que dirias?
A mensagem é óbvia nesta exposição: não nos esqueçamos de onde viemos.
Não nos esqueçamos da nossa história, da nossa origem e dos que lutaram para que estejamos aqui. E a luta teve várias formas, a luta nem sempre foi braçal, nem sempre foi armada, mas foi uma luta intelectual em que muitos se debateram para que esse empoderamento fosse hoje possível.
Estamos ligados a uma identidade, a uma história e a uma cultura. Olhar a historia com uns olhos diferentes e contar uma historia mais alegre - é isso que quero.