Evanescence, The Bitter Truth
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Das unhas à atitude: como ser emo segundo antigos e atuais emo’s

20 anos depois, a estética mais triste da história está de volta. Preparem os kleenex!

“Ser emo não é uma escolha, é uma maldição”, diz-me o primeiro emo a responder à minha caixa de perguntas no Instagram sobre o tema. E debruçamo-nos imediatamente sobre o fundamental: mais do que um estereótipo de unhas cobertas de preto e queda para as depressões, o movimento emo é um estilo de vida/predisposição que, como todos os outros, é bastante difícil (ou até mesmo errado) de emprateleirar. No entanto, deixa-se pintar por uma imagem muito própria, com uma música de fundo a anunciar a sua chegada e tem-se tornado, portanto, bastante fácil de caricaturar.

Abreviação de emotional hardcore, uma vertente melódica do rock, o emo apela ao sentimentalismo, à desconstrução da perfeição, um chavão-cobertor para os miúdos ‘esquisitos’ que gostam de se fechar no quarto a ouvir música estranha e não conseguem manter uma conversa olhos nos olhos. “Começou com o hardcore”, explica João, de 32 anos, que prova a autenticidade do seu lifestyle com uma playlist no Spotify intitulada ‘emo revival’. “Havia um espaço para explorar, uma vertente mais emocional da música, que não era trabalhada nesse género. O hardcore sempre foi muito político ou de intervenção, e era muito agressivo e pouco sensível. Mas há uma altura, no final dos anos 80, que começa a ser explorado um lado mais emocional do género, daí ser emocore (emotional hardcore).”

My Immortal, Evanescence

Com artistas (uns novos, outros nem tanto) a voltar a ser assunto do dia, com interpretações diferentes deste tipo de sonoridade – como Willow Smith, Travis Barker (baterista dos Blink 182) ou Machine Gun Kelly só para citar alguns – afinal não é uma coincidência que My Immortal dos Evanescence tenha passado na rádio do meu carro três vezes só no espaço da última semana. No TikTok o hashtag #emo passa os 11 mil milhões de views e a popularidade de TikTokers como Lil Huddy e Jaden Hossler trouxeram o emo de volta ao mainstream. Já para não falar na estrondosa entrada de Avril Lavigne na plataforma, com milhões de hits imediatos.

Visto como o estilo musical adequado ao estranho mundo pós-pandémico, esta sonoridade terapêutica ressoa na nova geração tanto quanto na antiga que há 20 anos já agradecia à música por ser a única coisa presente quando tudo o resto falha. Com as tendências dos anos 2000 a vir à tona - não só temos queda para a nostalgia e somos cíclicos, como o facto dos antigos teenagers estarem a chegar a posições de poder nos faz remexer no passado – era uma questão de tempo até começarmos a deixar crescer as franjas a tapar a cara.

Preto

Não é preciso saber fazer leituras de aura para descodificar a paleta cromática do movimento emo. Preto, preto por todo o lado (o tom transversal aos géneros rock). Skinny jeans rasgados pretos emparelhados com uma t-shirt de uma banda (se for preta, melhor). Piercings pretos. Converses, Vans, sempre pretos. Eyeliner preto, sombra preta, batom preto, verniz preto. Paredes de casa pretas. Lágrimas a escorrer por entre a sombra de pestanas preta. “Mas depois no emocore existem várias vertentes: desde os pop-punk (que é o que está a voltar agora) ao screamo (mais próximo do hardcore)”, elucida-me João, e em todos estes géneros encontramos opções coloridas também. Desde os inspirados nos Scene Kids - uma aparição extravagante dos tempos do MySpace (saudades!) e que, segundo os meus especialistas, são o equivalente aos influencers de hoje em dia, com muita produção para fotografias online - até versões normcore que (choquem-se) incluem uma simples T-shirt branca.

Comportamento

Liberdade, fluidez de género e autodescoberta são termos que fazem parte do hype atual, mas lá nos primórdios do emo eram conceitos olhados de lado pelos mais conservadores. No entanto, dizem-me os ex e atuais emo’s, fazem parte do pilar do movimento, e são um dos seus maiores motivos de orgulho. “O próprio estilo abria portas a uma imagem meio andrógina em que os rapazes podiam brincar com maquilhagem e acessórios e as raparigas fundiam-se no estilo”, diz Mariana, de 29 anos, uma emo incurável. Para a geração Z, que cresceu habituada a tratar por tu a expressão de género, a fluidez da estética emo foi depressão à primeira vista.

Música

First things first. O emo nasceu como uma subcultura musical resultado do pós hard-rock dos anos 80, com letras confessionais e metáforas para as desgraças da vida. Depois de quase duas décadas de ouro caiu no esquecimento, regressando em toda a sua glória e esplendor com direito a um dos festivais mais comentados nos últimos anos. Com um line-up com praticamente todas as bandas pop-punk e emo das últimas décadas – Paramore e My Chemical Romance como cabeças de cartaz - When We Were Young Festival parece o desejo tornado realidade dos emo’s que nunca esqueceram o passado.

“Acho que é a fase dos adolescentes - dos 14 aos 20, toda aquela angústia que se vive vai encontrar relação na música -  e que se calhar nos anos 2010 se perdeu porque foi parar a outros géneros (mais pop ou mais hip hop). Mas esta mudança de paradigma que está a acontecer (outra vez) leva-nos de volta a esta angústia”, elucida-me João. O retorno do emo ao mainstream chegou desta vez não pelo rock mas através do rap e do hip-hop, com XXX Tentacion, Juicy World e Lil Peep. Até uma Billie Eilish entra na corrida, menciona Joana, emo desde os 10 anos quando se vestia de Avril Lavigne (hoje com 31), pois apesar de não ter a imagem protótipo, retrata este aperto juvenil.

Personalidade

Tímidos, introvertidos, sensíveis, depressivos, ser emo é um estado de espírito que, de acordo com uma emo que pediu o anonimato, requer apenas uma coisa: “Estar triste o tempo todo”. Perguntas sobre a vida - O que vem depois da morte? O que estamos aqui a fazer? -, fazem parte do pacote. E depois outro tipo de pormenores, quase irrelevantes, como te identificares sempre com as personagens dos filmes que ninguém gosta, ficares feliz quando alguém cancela um encontro ou adorares olhar para a chuva a escorrer pelos vidros das janelas. Uma espécie de TPM de todo o tamanho (acho que estão a perceber a ideia), como Shirley Manson cantava no êxito dos Garbage em 1996: “I’m only happy when it rains”

Moda

Decotes em v, skinny jeans (“tão justas que contam como controlo de natalidade”, brinca Mariana), cabelo pintado, franjas laterais, piercings e um amigo referiu uma ‘má postura’ corporal como um extra. Cabelo longo o suficiente para cobrir parte do rosto (aquela ideia de timidez e vergonha). Cintos com tachas, bolsas grandes o suficiente para guardar todos os diários onde se apontam os pensamentos tristes do dia e óculos de sol para esconder as lágrimas. Muito importante: calças com bainha, costurada ou dobrada e camisolas com capuz também são um essencial, e se tiverem cortes nas mangas para enfiar os dedos sabemos que estamos na presença de um true emo. Aliás, a costumização das roupas é um dos pontos mais importantes, como as palavras escritas a caneta permanente nos Converse novinhos em folha: “Gostava de refletir como me sinto através das roupas e a cena emo permitia-me exprimir-me sem limitações”, diz Pedro, um stylist que já foi embaraçosamente emo.

Nas passerelles desta estação também é possível encontrar um rasto de influência emo: dos gorros quadriculados do resort 2022 de Anna Sui à alta-costura primavera/verão 2022 de Schiaparelli, uma inspiração para um sonho emo em preto, branco e dourado. A maquilhagem acompanha o mood com um tom nude monocromático entre rosto e lábios, surpreendendo com um eyeliner dramático e carregado criado por Pat McGrath. Já em 2021, Hedi Slimane tinha feito soar os alarmes com a sua coleção masculina para a Celine, onde desfilou sobreposições de camisas listradas, casacos oversized e calças skinny rasgadas.

Maquilhagem

@punktoenail time for work #gothgirl #goth #bauhaus #eyelinertutorial ♬ Dark Entries - Bauhaus

Olhos borrados, sujos e sem definição ou acabamento, parece a descrição da habitual maquilhagem de Britney Spears, mas estamos a falar dos looks escolhidos para os desfiles Versace, Roberto Cavalli, Sportmax e Altuzarra, entre outros. Vidrados no ‘entretenimento do trauma’, e com alguns meses pandémicos que os obrigaram a viver em clausura, a maioria dos jovens deu asas à auto-experimentação, já por si bastante típica da adolescência. Resumo: cabelo pintado na casa de banho dos pais com tintas manhosas e sombras escuras feitas com mãos tremelicantes. É mais sobre personalidade e menos sobre countouring à la Kardashians – “é o visual de quem chorou”, resume Clara, de 24 anos e com o cabelo recentemente rapado e pintado, por si, de cor de laranja.

Este tutorial de Julia Fox resume a tendência em 16 minutos:

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