Quando era pequena, Joana Damião Melo passava os dias a calcorrear os terrenos da quinta da família, na ilha de São Miguel, nos Açores. Corria livremente, trepava às árvores, brincava com os coelhos que por ali andavam e deliciava-se com a fruta que encontrava pelo caminho nas aventuras que empreendia com o irmão Miguel e os primos. As memórias que guarda desses tempos continuam a ecoar-lhe no imaginário, diz-nos, e ajudam-nos a compreender que tenha decidido apostar na transformação desta propriedade do século XVIII, com cerca de quatro hectares, num hotel em que se mergulha na tradição e cultura açorianas.
Em 2020, quando “tudo estava pronto para abrir portas e começar a receber hóspedes”, chegou a pandemia, conta Joana num dos sofás do lobby do Senhora da Rosa Tradition & Nature Hotel, onde a azáfama de turistas contrasta com o que terá sido o cenário vivido nesses tempos iniciais de incerteza. O caminho para aqui chegar, porém,nem sempre terá sido fácil. A história do Senhora da Rosa inicia-se em 1994, ano em que abriu portas como uma estalagem que depressa viria a ganhar nome na ilha graças à hospitalidade e qualidade do restaurante aberto para os que vinham de fora e aos micaelenses.
Em 2011, a estalagem e o restaurante acabariam por não resistir à crise que se vivia no país, mas Joana e o irmão, o ator Miguel Damião, não desistiram. Arregaçaram mangas, fizeram obras estruturais, e trouxeram a natureza dos Açores para dentro de cada um dos 35 quartos deste hotel de quatro estrelas, que conta agora com dois restaurantes, um spa, uma piscina exterior e um tanque de água quente localizado no meio de uma estufa de ananases, entre outras valências.
Ao entrar num dos 11 quartos deluxe com varanda, as fotografias que ocupam a todo o comprimento a parede da cabeceira da cama transportam-nos para o meio da flora açoriana. “Queria criar algo que desse a sensação de estar a entrar na ilha”, explica a responsável. Em cada um dos quartos do hotel os hóspedes deparam-se “com uma fotografia diferente da paisagem de São Miguel”, algumas delas da autoria do irmão de Joana.
O projeto de recuperação do espaço ficou a cargo do Atelier Vieitas e em várias zonas comuns do hotel é possível encontrar marcas do passado e da herança familiar de Joana. Lili Damião, mãe de Joana, foi a responsável por pensar a decoração dos interiores, onde combinou móveis antigos de família, que foram recuperados, com mobiliário contemporâneo. Nos corredores de acesso aos quartos encontram-se vários pormenores que nos fazem lembrar que este continua a ser um negócio familiar. Tecidos, panos ou até mesmo vestidos que pertenciam à família de Joana e que dão a conhecer alguma da história da ilha, estão à vista de todos.
Raízes açorianas à mesa
O Magma, o restaurante no piso térreo, é uma extensão do ambiente familiar do hotel. Neste restaurante chefiado por Duarte Rodrigues, chefe natural do Seixal que escolheu São Miguel para viver, explora-se a gastronomia açoriana em todo o seu esplendor. À mesa, Joana resume o Magma como um restaurante de raízes açorianas, que dá a conhecer receitas dos seus antepassados que têm sido passadas de geração em geração. Para tal, Duarte foi para a cozinha com as tias de Joana e acabou “a aprender coisas que não sabia”. Chicharrinhos casados, o tradicional bolo lêvedo ou o bife do lombo à regional são alguns dos pratos disponíveis.
Para uma refeição mais criativa, há a possibilidade de escolher um dos menus de degustação de quatro ou cinco momentos (€45 e €55 respectivamente), que aproveitam a excelente matéria-prima da ilha e a trabalham de forma menos conservadora.
Lá em cima, no rooftop, encontramos Pedro Rosa, o novo chef do Mirante, o restaurante japonês do Senhora da Rosa que acaba de reabrir portas. Apesar de estar à frente da cozinha há apenas uma semana, Pedro sabe bem o que quer: contribuir para valorizar os produtos da região e retirar o maior sabor através da simplicidade dos ingredientes. Na nossa visita provamos uma sopa miso com cogumelos Shitaki e Enoki e conjuntos de peças como gunkans de atum rabilho ou uns nigiris de lírio com molho ponzo que espelham na perfeição a filosofia de Pedro Rocha, que privilegia as formas mais tradicionais de pôr em prática a cozinha nipónica e que prefere afastar-se das fusões. A seleção do chef, um conjunto de sushi e de sashimi composto por 18 ou 36 peças (€32 e €52 respectivamente) acaba por ser a melhor forma de provar a oferta deste interessante restaurante.
A verdade é que no edifício principal não é possível perceber a real dimensão deste hotel, que tem à disposição dos hóspedes um clube para crianças, uma capela do século XIX que é visitável e campos de padel para quem quiser experimentar o desporto da moda. O Musgo, o spa do hotel que conta com quatro salas de tratamento e uma sala de relaxamento, oferece uma vista para toda a quinta e reforça o sentimento de ligação à natureza e de apreciar a experiência. Os cinco tratamentos de assinatura duram entre 90 e 115 minutos consistem em sessões de massagem com produtos biológicos da região, sendo possível combiná-los com sessões de sauna ou aulas de pilates e ioga.
Num cafuão para experienciar a natureza
Dois dos quartos mais famosos do hotel, os Tranquility Garden Lodge, onde Úrsula Corberó, a Berlim de A Casa de Papel ficou hospedada recentemente, são uma recriação dos antigos cafuões onde se guardavam os cereais nas quintas. Joana decidiu construir estas duas casas feitas em madeira no meio da natureza e instalou uma casa de banho em que o duche e a banheira se encontram a céu aberto. A experiência, diz-nos, “é única”. Mas um dos grandes chamarizes do hotel é o tanque de água quente com vista para uma das estufas de ananases da propriedade.
A Versa viajou a convite do Senhora da Rosa Tradition & Natural Hotel.