Nos últimos 30 anos, a maternidade em Portugal sofreu uma transformação silenciosa, mas profunda. Segundo os dados estatísticos do Instituto Nacional de Estatística (INE) e PORDATA, em 1990, as mulheres portuguesas tinham o primeiro filho por volta dos 25 anos. Atualmente, a idade média ao nascimento do primeiro filho é de 30,3 anos. Paralelamente, a taxa de fecundidade total situa-se em 1,40 filhos por mulher, muito abaixo dos 2,1 filhos/mulher necessários para garantir a renovação das gerações, referem os mesmos dados.
Este adiamento da maternidade reflete mudanças legítimas de ordem social, económica e cultural: maior investimento na educação, foco no desenvolvimento de carreiras, procura de estabilidade financeira e emocional e, muitas vezes, ausência de políticas suficientemente favoráveis à parentalidade.
Impacto da idade na fertilidade
A fertilidade feminina começa a declinar gradualmente a partir dos 30 anos, de forma mais acentuada após os 35 e com queda significativa a partir dos 37 anos.
Este declínio envolve não apenas a quantidade de óvulos (reserva ovárica), mas também a qualidade dos mesmos. Alterações cromossómicas espontâneas aumentam com a idade, elevando o risco de aborto espontâneo, falhas de implantação embrionária e trissomia 21.
Mesmo com recurso a técnicas de Procriação Medicamente Assistida (PMA), as taxas de sucesso diminuem com a idade materna. Segundo dados europeus, mulheres com idade superior a 35 anos podem alcançar até 40-50% de taxa cumulativa de gravidez com 15-20 ovócitos congelados. Já entre 38 e 40 anos, essa probabilidade desce para 20-25% e após os 42 anos, a taxa é inferior a 5%4.
Isto demonstra que, contrariamente à perceção comum, os tratamentos de fertilidade não anulam o impacto da idade sobre a qualidade ovocitária. Não conseguimos reverter o envelhecimento dos ovários — podemos apenas trabalhar com o material biológico disponível no momento, que muitas vezes já apresenta alterações.
Preservação da fertilidade
A preservação da fertilidade consiste na criopreservação (congelação) de ovócitos para uso futuro. Os motivos para recorrer a este processo podem ser de natureza médica ou social.
Entre os motivos médicos, incluem-se as doenças oncológicas que exijam quimioterapia ou radioterapia e que impliquem risco de falência ovárica; as doenças autoimunes que necessitem de terapêuticas gonadotóxicas; as cirurgias repetidas aos ovários, como no caso de quistos de endometriose; e as doenças genéticas associadas à menopausa precoce.
Já entre os motivos sociais, também conhecidos como social egg freezing, destacam-se a ausência de parceiro no momento biologicamente mais indicado para engravidar; a prioridade em consolidar a carreira profissional ou a formação académica; a procura de estabilidade emocional e financeira antes da maternidade; e o adiamento devido à inexistência de políticas eficazes de apoio à parentalidade.
A criopreservação de ovócitos não garante uma gravidez futura, mas aumenta significativamente a probabilidade de sucesso em comparação com a utilização de óvulos obtidos numa idade mais avançada.
O número de ovócitos recomendado para otimizar as hipóteses depende da idade: mulheres mais jovens necessitam de menos ovócitos para taxas semelhantes de sucesso.
A preservação da fertilidade representa uma ferramenta valiosa para mulheres que, por razões médicas ou sociais, desejam adiar a maternidade. A decisão deve ser ponderada com informação clara, avaliação individualizada da reserva ovárica e acompanhamento médico especializado.
Informar precocemente e de forma rigorosa permite que as mulheres alinhem os seus planos de vida com as limitações biológicas e as possibilidades oferecidas pela ciência.
