Acqua Allegoria Vetiver
Nécessaire

Entrevista à nez da Guerlain: criar fragrâncias com a frescura de jardins

Cobertas de flores, encantadoras, frescas, vibrantes, são assim as mulheres Guerlain desde a linhagem do Aqua Allegoria. É assim Delphine Jelk, a nez da marca, que a Versa entrevistou em exclusivo.

“Concebemos a fragrância em torno deste néroli da Calábria muito verde, muito floral, verdadeiramente delicioso”, diz Delphine Jelk, a nez da Guerlain, que com este novo aroma quis celebrar a Natureza mediterrânea. Acrescentou-lhe uma bergamota cintilante, marco de várias criações da Guerlain, um petitgrain vivaz e picante destilado das folhas de laranjeira, a frescura verde aromática do manjericão. A estes junta-se o prazer frutado do figo e uma base amadeirada de vetiver. É assim Nerolia, o mais novo elemento da deliciosa família Aqua Allegoria. Conversámos em Lisboa com que o pensou, Delphine Jelk:  

A Guerlain lança perfumes desde 1828, e a coleção Aqua Allegoria também foi pioneira, em 1999, quando a marca quis lançar novos códigos olfativos mais vibrantes, naturais e leves, certo?

Sim, no início esta coleção foi uma forma de trazer frescura ao mundo das fragrâncias Guerlain que, naquela altura, eram muito intensas e orientais, com o Shalimar e o Samsara. E a ideia era que essa frescura perdurasse, porque já existia nas Les Colognes, e foi assim que a Guerlain começou, em 1828, durante anos a família Fleur foi super importante. Quando pões uma colónia, uma hora depois aplicas um novo splash, mas o Acqua Allegoria tem mesmo uma estrutura de perfume, com notas de topo, médias e de fundo, mas com a frescura. E queremos que também que esta coleção seja, cada vez mais, sem género, mas acerca de emoções, a inspiração vem das maravilhas da Natureza, não é para um homem ou para uma mulher, entendes? Sim, o frasco é um pouco feminino, é assim há muito tempo, mas também pode mudar.

Disse que a inspiração para este aroma é muito natural.

Sim, há qualquer coisa de trendy neste Acqua Allegoria, porque quando me inspirei pensei muito em ingredientes saudáveis: o gengibre, o coco, o neroli que é super suave e calmante. Adoro esta ideia de pensar nos benefícios dos ingredientes desta coleção, por isso, sim, há muita Natureza e feeling good.

Quando foi criada a coleção Acqua Allegoria a ideia era ser concebida por perfumistas que correm o mundo à procura de matérias-primas naturais , é este o caso?

Sim, temos um considerável espólio na Guerlain e temos, há muitos anos, parceiros para recolher esses ingredientes naturais. Por exemplo, a bergamota, trabalhamos há três gerações com a mesma família, por isso todos os anos vamos ver as novas produções, as colheitas. O mesmo é verdade para o neroli de rosa, escolhemos várias para que se mantenha sempre a mesma qualidade exigida na Guerlain todos os anos.    

Mas viaja para “cheirar” o mundo e trazer inspiração?

Sim, nós somos dois perfumistas na Guerlain, eu e o Thierry Wasser, e ele adora, vamos todos os anos visitar os nossos parceiros, mas também recebemos muitas amostras, por isso corre bem se não conseguirmos viajar. Mas é importante e inspirador conhecer pessoalmente e ver, nem que seja uma única vez, de onde vem o que metemos dentro de cada perfume.

O Acqua Allegoria é uma grande família, porque decidiu pegar no neroli desta vez?

Porque eu adoro! É o óleo essencial da flor de laranjeira, tem qualquer coisa de cheiro de bebé, símbolo de pureza, muito usado nos casamentos, tem qualquer coisa de muito branco, muito clean. Não sei como é aqui em Portugal, mas em França é muito famoso o chá com flor de laranjeira. É qualquer coisa de muito emocional para mim. O esforço foi fazer um perfume que não fosse apenas neroli (risos).

E de onde veio essa inspiração?

Inspirei-me muito na origem do nosso neroli, que vem da Calábria, no sul de Itália, e tem uma qualidade muito particular porque as pessoas só colhem as suas flores, e deixam as folhas. Em algumas qualidades quando se apanham as folhas, o neroli fica muito verde e um pouco mais áspero. Este neroli é muito suave, é incrível, e o lugar onde cresceu também é inacreditável, são pequenas colinas de laranjeiras em frente ao mar, lindo e inspirador, e este foi o ponto de partida da criação. Eu queria ficar em Itália, porque adoro Itália, e quis juntar alguns ingredientes italianos como o basílico e as figueiras de Ísquia que me lembram de um filme que adoro, o Talented Mr Ripley, sabe qual é?  Tinha estas imagens e foi assim que construi a história desta fragrância, porque é sempre uma história que tens na tua cabeça e depois escreves a receita. É um acorde com o neroli, o figo e o vetiver que também é muito importante, vem da India e do Haiti e tem qualquer coisa de muito elegante, e eu queria que fosse o chique italiano, muito solarengo e dolce vita.

Disse-me que os perfumes são emoções, qual foi a sua?

Foi claramente este crush que tenho pelo néroli, que me inspirou. Adoro flor de laranjeira e achei que era interessante ter um nesta coleção, já tínhamos um, mas quando encontrei esta qualidade incrível de néroli fiquei com vontade de trabalhá-lo e tinha um lugar na coleção.  Se tens muitas notas cítricas, tentas ter outras propostas. Este é muito solarengo, intenso, dura na pele e queríamos ter um perfume que possas usar todo o dia, mesmo que seja fresco, e o neroli é muito bom para isso. Sou muito interessada em aromacologia, e hoje sabemos que os ingredientes naturais têm benefícios e acredito profundamente que este é o futuro da perfumaria, e é a razão porque quis ter este trabalho. Porque um dia cheirei qualquer coisa e senti algo de muito forte no meu coração, algo de muito poderoso, acredito mesmo nisso. Acho que o perfume não deve ser só sedução, deve fazer com que te sintas bem. Penso que depois do Covid podemos perceber isto melhor.

Sim, aprender uma certa profundidade. Disse, há pouco, que houve um momento em que cheirou um aroma e decidiu que queria ser perfumista, lembra-se de qual foi exatamente?

Claro! Comecei por fazer Design de moda, eu nasci na Suiça e queria sair de lá quando tinha 18 anos, era tudo demasiado limpo, perfeito, rígido, (risos), acho que sou mais latina do que suíça, nasci no lugar errado (risos). E como era muito criativa e imaginativa, fui para França para a escola de design de moda e a minha coleção de finalistas foi para homem, tudo em linho e em caxemira. Queria que fosse um universo multi-sensorial então pedi a um amigo que trabalhava na indústria dos perfumes para criar um perfume inspirado na caxemira e no linho, foi uma experiência incrível, podias tocar e sentir e traduzir numa sensação olfativa, foi poesia olfativa. No dia seguinte, tinha duas propostas de trabalho, uma para a Margiela, onde era muito interessante ser stylist, e outra num distribuidor de perfumaria na Suiça, Firmenich, e foi difícil, mas voltei para Genebra. Foi muito interessante fazer a ponte entre a moda e a perfumaria, imaginar conceitos para marcas de moda. E todas as manhãs, um perfumista sénior, muito velhinho, fazia-me cheirar aromas, um dia cheirei um aroma muito verde, acabado de cortar, chamado triplal e senti qualquer coisa no meu coração, não consigo explicar, talvez me tenha levado para o meu jardim de quando era pequena, não consigo dizer, foi muito bom para a minha alma e senti logo: “Eu quero ser perfumista!” (sorriso) No dia seguinte ouvi falar de uma escola em Grasse e que recebiam sete estudantes, nós éramos 200 a tentar, e eu não tinha estudado química, vinha de design de moda… Mas consegui! E assim comecei.

Falou-me do jardim de casa dos seus pais, os perfumes são muito essas viagens na memória, não acha?

O cheiro é o único sentido que não passa pelo cérebro ou pela razão, vai diretamente para as emoções, imagina, é um dom! Nunca pensamos sobre ele, é incrível, é como um dodo, é muito emocional.

E é curioso porque para a maioria das pessoas, se tivessem de abdicar de um sentido seria o cheiro, e mal sabem que estão abdicar da memória e do prazer, é perder uma relação emocional com o mundo.

Exatamente. E como durante o Covid muitas pessoas perderam o sentido olfactivo entraram em depressão profunda. É horrível. Mas agora as pessoas já vão tendo essa noção. E sabes, é o único sentido que não consegues educar, mas como não lhe dás grande importância, pode perdê-lo. Por exemplo, se deres um aroma de limão a cheirar aos teus filhos, eles reconhecem logo. Vai-se afastando de ti com os anos. E há pessoas que dizem que não conseguem cheirar, o que não é verdade, elas é que se esqueceram desse seu sentido, abandonaram-no.

Como é que podemos treinar o nosso olfato?

Manter a curiosidade com o que te rodeia. Quando me perguntam: como é que me posso tornar perfumista? Eu digo sempre: com paixão, perseverança e muita paciência. E ser curioso, cheirar tudo, é a melhor forma de teres a certeza do que estás a cheirar. E dá-te tantas emoções.

 E a inspiração, pode vir também de coisas sem cheiro?

Sim, pode vir da arte, de alguém, de uma situação, uma flor, pode vir de qualquer lado. Para mim,  a inspiração vem sempre de fora e a criação é sempre muito íntima. Vem de dentro para fora, pões o que tu és, mas acho que é verdade para todas as criações.

Cheira tudo e a todo o tempo?

Não, sou muito sensível aos odores, mas gosto de viver a vida como ela é, por isso gosto de todos os cheiros, às vezes são bons, outras vezes são maus, faz parte. Não uso perfume, por isso, porque gosto de experimentar tudo o que estou a fazer. Nem conseguia viver no meu trabalho se usasse muito perfume.   

A Guerlain tem apostado muito na sustentabilidade e na inovação, é aliás um tópico forte vosso nos últimos anos, e também está neste perfume, que é quase 100% natural. Isso é evidente nos cosméticos e nos tratamentos, nos perfumes é mais difícil.

Nós já o fazemos com o Abeille Royale, dedicamo-nos muito às abelhas: se não cuidamos das abelhas não temos flores, não temos perfumes. Cuidar das abelhas é cuidar do planeta. E há uma procura cada vez maior, dos nossos clientes, por ingredientes naturais também nas nossas fragrâncias e temos conseguido corresponder. Mas não de um dia para o outro, não podemos fazer uma revolução, mas dar pequenos passos. Se só usarmos óleos essências de rosas, por exemplo, vamos ter de ter hectares e hectares de plantação e isso vai exaurir a natureza. Por isso é importante encontrar o equilíbrio certo, por isso no Acqua Allegoria usamos 95% de ingredientes naturais por causa da “química verde”. E, cada vez mais, temos novas moléculas e criamos com delas, porque também não queremos voltar atrás, em termos criativos seria terrível, ninguém quer cheirar a bergamota e a rosa, queremos fragrâncias que permanecem na pele, que tenha un sillage, um acordar, que sejam criativas e para a frente. Temos trabalhado nesses caminhos, a química verde é um deles. Temos o exemplo das moléculas da frésia [ou junquilho], são menos precisas, luminosas e poderosas, mas estamos a tentar melhorá-las porque não queremos que a qualidade dos nossos perfumes caia. E mesmo de um ponto de vista pessoal, é importante estar envolvido neste tipo de projetos, quero viver num planeta bom e verdadeiro, eu sei que é difícil para os humanos mudar de hábitos, mas temos de dar pequenos passos. No Acqua Allegoria usamos álcool de beterraba orgânico, por exemplo, mas não é fácil se quisermos passar a usar álcool de trigo, pode mudar o aroma e nós temos seguidores muito fiéis do Acqua Allegoria, não queremos mudar os aromas. Mas a colheita da beterraba orgânica é menor. Por isso, é importante sabermos que não mudamos o mundo num dia, é razoável e verdadeiro, porque quando dizem que passou tudo a ser natural de um dia para o outro, não é verdade. Fazemos o nosso melhor com o que temos.

É como se o mundo estivesse a viver a duas velocidades antagónicas: por um lado pede-se mais e mais e mais, estímulo contante; por outro estamos todos a fugir para o slow living. Vocês têm o conceito de slow flowers, o que é?

Não fazemos os nossos perfumes com slow flowers, até porque nem todas as flores têm cheiro e algumas, como o lírio do vale, não consegues extrair delas um óleo essencial, se as destilares só obténs água. Durante a campanha do Acqua Allegoria Yann-Arthur Bertrand disse: “Ok, para a campanha, vamos ficar em França, não vamos para a Tailândia, onde tens flores incríveis, e vamos fazer com o que temos localmente.” E ele pediu slow flowers, ou seja, que cresceram perto do local das filmagens.

Já que falou no grande fotógrafo Yann-Arthur Bertrand, gostou da campanha?

Adorei, foi uma parceira incrível trabalharmos com ele, foi a primeira vez que ele fez um anúncio e disse: “A fazê-lo, será com as minhas condições.” Assim, as modelos vieram de comboio, só comemos vegan e orgânico durante as filmagens, e é óptimo porque é uma nova forma de trabalhar e está em linha com o que queremos para o nosso produto. E adoro o anúncio porque quando o vês olhas para as flores de uma maneira diferente, faz todo o sentido!

A ecologia também está no desenho do frasco que passa a ser recarregável.

Sim, conseguimos finalmente ter um frasco recarregável! Todos temos uma questão com os frascos de perfume. Muitas pessoas guardam-nos, mas não sabem depois o que fazer com eles, por isso acho que o conceito de recarregar é muito bom, a sua simplicidade. Podermos fazer luxo ecológico, é maravilhoso.  

Design e Artes

Serão velas ou obras de arte? Um bom objeto de decoração, com certeza

Nem sempre precisamos de grandes manobras artísticas para dar um novo ar à nossa decoração de interiores. Às vezes, uma vela é o suficiente.

Nécessaire