Se há um ano dissessem a João Xisto e da Joana Simões que o Mar&Nada, em Lisboa, estaria ainda hoje de portas abertas, não acreditariam. Mas o que é facto é que o restaurante que abriu em junho de 2023 já celebrou um ano e a festa faz esquecer dois meses conturbados.
"No nosso coração isto só começou a contar dia 2 de março. No início não correu muito bem. Fechámos em janeiro e fevereiro sem saber se voltávamos ou não. Por isso quando as pessoas têm estas reações ficamos muito felizes", conta João Xisto à VERSA, referindo-se ao elogio que acabara de receber.
Lisboa ficaria a perder se o N.º 128 da rua da Boa Vista, em Santos, tivesse realmente fechado. É um mar dentro da cidade, que se traduz em várias opções e criatividade na cozinha. E é também um mar de simpatia que nos chega de quem nos serve a alma. Aliás, este o ponto que mais cativa quem entra no Mar&Nada e não fomos só nós que o sentimos.
"One more dish?", ouvimos João Xisto perguntar a um cliente estrangeiro, que ainda não parecia satisfeito. "Why not? C'mon", responde de imediato, aceitando mais um dos petiscos da carta. Sempre que alguém ocupa uma mesa no Mar&Nada, surge de imediato uma relação de proximidade, que faz parte da experiência e do conceito do restaurante.
Já a carta, escrita à mão numa ardósia moderna, é explicada ao detalhe, os vinhos são sugeridos conforme o gosto e a própria decoração também faz o seu papel, deixando-nos mais à vontade. Do mobiliário às louças, muitas são as peças que pertenciam ao avô de João Xisto, que após herdá-las, trouxe para o restaurante com um propósito: "A ideia é que estejamos como na casa dos avós, com os netos lá dentro", diz.
No Mar&Nada redescobre-se o peixe
Quando queremos ir um restaurante, temos sempre um em mente um para cada ocasião: o que vamos com um grupo de amigos por ter opções diversas, o tradicional para comida de conforto, o que fica para o fim de um mês com menos dinheiro na conta, o excêntrico para uma ocasião especial, o que vamos por um bom bife ou o que procuramos pelo peixe.
O Mar&Nada é o restaurante que convida, obviamente, pelo peixe fresco, mas esse cuidado vai muito mais além.
"Infelizmente, hoje em dia temos acesso a quase todos os produtos o ano inteiro, mas sabemos que isso não é o ideal e estarmos a forçar essa sazonalidade é péssimo. Isso que posso sempre garantir: vamos acompanhar a sazonalidade, o que não significa que um prato que esteja este verão, não esteja no verão seguinte", diz à VERSA a chef Verónica Catarino, que já passou pelas cozinhas da Taberna Albricoque, de Bertílio Gomes, do Cantinho do Avillez.
Acima de tudo, confessa a chef, o foco do Mar&Nada é "não cair na monotonia", pelo que a criatividade é a chave para trabalhar cada ingrediente da estação.
Posto isto mesmo, alertamos: os pratos de que vamos falar podem já não estar na carta numa próxima visita.
Ainda assim, cada garfada é digna de destaque, assim como um copo de Galhofa, um vinho Moscatel Galego Branco do Douro, com notas de pêssego (e acreditem que não é daquelas que só os especialistas notam).
Se é de mar que é feito o Mar&Nada, fomos diretos a umas ostras (€2/un), que sem limão ou outros temperos que por aí se apresentam, são como mergulhar no mar e voltar com o seu sabor nos lábios.
Depois, seguimos com um prato de raia, chips de pastinaca e esparregado de algas (€15), tudo regado com Casa de Santo Amaro. É uma combinação inovadora, que nos abre caminho para novas formas de comer raia, sem ser na tradicional caldeirada, enquanto o esparregado desmistifica a ideia de que as algas são um ingrediente estranho, que só se consome na cozinha asiática ou vegetariana.
Passando aos ovos rotos, é altura de esqueceres tudo aquilo que provaste. No Mar&Nada, da receita original só ficam os ovos, enquanto as batatas fritas são cortadas em cubo em vez de palito e o presunto dá lugar à muxama. Não sabes o que é? Não serás o único.
"A muxama é uma coisa que se faz no Algarve, mas muitos portugueses não sabem o que é. Eu próprio não sabia até aqui chegar. Toda a minha infância passei férias em Tavira, mas não sabia que existia. Foi preciso vir para aqui", brinca João Xisto.
O conceito de partilha deixa ainda espaço para um remate final, aconchego que habitualmente é feito com um prego. Neste caso, um prego de atum (€10) que, arriscamos dizer, um dos melhores pregos (de carne, atum ou demais invenções) que tivemos oportunidade de provar. Um generoso bife de atum é colocado dentro de um brioche da Terra Pão, que humedece com o molho de manteiga feito previamente.
A versatilidade, criatividade e sustentabilidade andam de mãos dadas na sobremesa, uma rabanada que aproveita qualquer pão brioche que sobre, tornando-se valioso assim que é regado (ou mergulhado, depende da perspetiva) em caramelo salgado e recebe um topping de natas azedas e raspas de laranja.
Na dúvida, não duvidar
Sabemos que há quem seja de carne e se contenha a explorar outros tipos de proteínas, incluindo o peixe. Mas num restaurante onde ele é rei, na dúvida, mais vale não duvidar e confiar nos sócios João Xisto e da Joana Simões.
"Já tive aqui um cliente que queria carne e estava quase a levantar-se e eu disse «vai comer o nosso hambúrguer de corvina, se não gostar eu ofereço». Acabou a pedir outro e saiu daqui a dizer «queria carne e vocês deram-me uma coisa ainda melhor»", recorda João Xisto.
No Mar&Nada resta-nos apenas confiar e apenas aventurarmo-nos nas novas criações de Verónica Catarino. A chef já está a desenvolver um cachorro de peixe e avançou ainda à VERSA que vai regressar um prato já famoso na casa, vieiras com puré de ervilha e toranja, que toma o lugar das ervilhas com vieiras que sai devido ao fim da sazonalidade das ervilhas. Também de fora fica a raia (lamentamos que não provem, mas estamos certos de que algo melhor virá), abrindo espaço a outros novos pratos, em especial com o tomate, já que "está a vir a altura deles".
Para além da carta, há outras novidades a marinar, como é o caso da nova Happy Hour à sexta-feira e sábado, entre as 17h e as 19h e as 23h e as 01h30, que funcionará com uma carta mais pequena (com iguarías como muxama fatiada, sardinha em escabeche e prego de sarrajão) e foco no novo menu de bar, dos vinhos aos cocktails.
O Mar&Nada está aberto ao almoço de terça a sexta-feira das 12h às 15h e ao jantar de terça-feira a sábado entre as 19h e as 23h. Está localizado na rua da Boavista 128, em Lisboa, e as reservas podem ser feitas por telefone (21 390 1824) ou através do site.