Por mais inédito que seja, a verdade sobre a iliteracia em Portugal acaba de ser revelada no novo relatório "Education at a Glance 2025", divulgado pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) e citado pela agência Lusa, em comunicado.
Ora quatro em cada dez (46%) portugueses, entre os 25 e os 64 anos, só conseguem compreender textos simples e curtos, colocando Portugal entre os 30 países com o nível mais baixo de proficiência em literacia, estando apenas acima do Chile.
Por cá, 57% dos inquiridos também não foram além do nível 1, correspondente à identificação de informação em textos curtos, quando podiam chegar ao nível 5, que revela capacidade para sintetizar e avaliar criticamente informações complexas.
Perante números que revelam não apenas um atraso estrutural, mas também um desafio social de enormes proporções, a pergunta impõe-se: como é que a iliteracia impacta a cidadania, a saúde e até a democracia?
Para refletir sobre estas questões, conversámos com o Professor Doutor Rui Nunes, catedrático de Bioética da Faculdade de Medicina do Porto e presidente da Associação Portuguesa de Bioética, que nos ajuda a perceber as raízes e as consequências deste fenómeno em Portugal.
Quais são, na sua perspetiva, as principais razões para que Portugal continue a apresentar níveis tão baixos de literacia, quando comparado com a média da OCDE?
Deve-se sobretudo a um défice do sistema educativo, nas suas múltiplas componentes. O exemplo mais gritante é o facto de não se ter apostado ao longo das últimas décadas na qualificação e valorização dos professores, que, no passado, eram das pessoas mais respeitadas na sociedade portuguesa. É preciso repensar com urgência todo o sistema educativo incluindo o modelo organizacional. É uma prioridade nacional.
Que impacto direto tem esta elevada taxa de iliteracia na vida quotidiana dos cidadãos e na competitividade económica do país?
Tem um impacto direto no nível de desenvolvimento social e económico da sociedade, dado que os cidadãos, na fase produtiva das suas vidas (25-64 anos), ao não conseguirem usar a leitura, a escrita e o cálculo não contribuem nem para o seu próprio desenvolvimento, nem para o da comunidade. Naturalmente que a competitividade económica de Portugal está seriamente ameaçada por esta lamentável situação.
Como pode o sistema educativo e a aposta na formação ao longo da vida contribuir para inverter estes resultados?
O sistema educativo deve ser reinventado com base em diferentes pressupostos. A educação deve ser descentralizada e dotada de ferramentas modernas de gestão para valorizar os professores e reter os melhores talentos. No plano formativo deve apostar-se, quer na escola quer na formação ao longo da vida, na aquisição de diferentes competências que incluam, mas não se limitem, à literacia digital. Por fim, importa definir estratégias para que o ensino do português passe a ser uma verdadeira prioridade estratégica.
Há exemplos de outros países que já conseguiram reduzir significativamente a iliteracia funcional e que poderiam servir de modelo para Portugal?
Na Dinamarca, por exemplo, a reforma educativa encetada anos atrás, apostou na aquisição de diferentes competências, incluindo soft skills, e no desenvolvimento de habilidades práticas e de capacidade de pensamento crítico. O que se traduziu numa baixa taxa de iliteracia funcional com evidentes resultados para a economia e o bem-estar social.
