Quando o Jimmy Kimmel Live! é suspenso pela ABC, por culpa da administração Trump, não parece televisão, parece um sketch fraquinho… com estreia em direto da Casa Branca.
O “crime” de Kimmel foi ter comentado a morte de Charlie Kirk, uma figura associada ao movimento MAGA, criticando a forma como alguns aliados de Trump pareceram capitalizar politicamente a tragédia. Ele disse: “Não é a forma como um adulto lamenta o assassinato de alguém a quem chamava amigo. É como um miúdo de quatro anos chora a morte do seu peixinho dourado.” A piada compara a reação de certas figuras políticas a uma criança a dramatizar exageradamente algo trivial — neste caso, transformando uma tragédia real em espetáculo político. Kimmel estava a criticar a suposta infantilidade e oportunismo dessas atitudes, usando humor e ironia para destacar o contraste entre luto genuíno e performance política.
Durante décadas, os comediantes fizeram humor de forma livre sobre presidentes, ministros e gurus de ocasião. Era quase um ritual democrático: o poder toma decisões durante o dia, e à noite o humorista desmonta tudo com meia dúzia de trocadilhos. Mas, desta vez, a “resposta” não foi outra piada ou um encolher de ombros — foi desligar a ficha da tomada. O problema é que, quando governos começam a escolher o que é engraçado e o que não é, um programa de entretenimento passa a ser ata notarial — com o humor a precisar de carimbo oficial para existir.
O método teve pouca graça: através da FCC (Comissão Federal de Comunicações) e de pressões regulatórias, a administração transformou o governo numa espécie de polícia da punchline. Afiliadas da ABC, como a Nexstar, apressaram-se a cortar o programa, classificando as palavras como “ofensivas e insensíveis”. O regulador chegou a sugerir sanções e Trump não escondeu a festa, celebrando o cancelamento como se fosse vitória eleitoral. E é sempre irónico ver apoiantes de Trump, sempre sensíveis ao direito à liberdade de expressão, aplaudirem entre tweets incendiários o cancelamento de um humorista. É o equivalente político de dizer: “A liberdade de expressão é sagrada, desde que seja eu a falar.”
E não precisamos de voar até Washington para assistir a nuances idênticas. Em Portugal, ainda há pouco tempo, uma piada de Joana Marques sobre os Anjos acabou a ser discutida em tribunal. Com dimensões e contornos diferentes, o recado parece o mesmo: não mexam no ego dos pequenos, médios ou grandes poderes.
O problema deste tipo de reações parece ser o efeito anestesiante que cria: artistas e jornalistas começam a calcular cada frase como quem faz contas de cabeça na escola — com medo de levar uma reguada no final. E assim, em vez de riso subversivo, sobra-nos um humor domesticado, fofinho, que não incomoda ninguém. Um pouco como assistir a um stand-up onde o maior atrevimento é reclamar do preço da bica.
"Great News for America: The ratings challenged Jimmy Kimmel Show is CANCELLED. Congratulations to @ABC for finally having the courage to do what had to be done..." - President Donald J. Trump pic.twitter.com/Vhj6DQSssu
— The White House (@WhiteHouse) September 18, 2025
E, enquanto Kimmel foi silenciado, as atenções viram-se para quem poderá ser a "próxima vítima" de Trump: Seth Meyers, Jimmy Fallon, e até vozes aparentemente menos radicais que se atrevam a rir da Casa Branca. É um aviso claro: no território MAGA, o microfone do comediante só funciona se estiver calibrado para não incomodar — e o humor crítico é tratado como ameaça política.
Talvez a ironia final seja: se o humor funcionar mesmo, ele perturba quem está confortável no topo. Então, em vez de silenciar — por medo ou raiva — talvez precisem de mais comediantes, mais sarcasmo, mais piadas do que censura. Afinal, se o poder consegue tirar Kimmel do ar, mas não consegue tirar as suas melhores piadas do ouvido do público — isso mostra que a comédia ainda tem força. E o poder parece temer o riso mais do que teme o debate sério...
