Dia Mundial da Saúde da Mulher | Fotografia: Unsplash
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Da gravidez à menopausa (e não só): A Saúde da Mulher Ainda É Um Campo de Batalha

Neste Dia Mundial da Saúde da Mulher, celebrado a 28 de maio, o mundo é convidado a refletir sobre um tema essencial e, ao mesmo tempo, negligenciado: a saúde da mulher. Um artigo de opinião pela ginecologista e obstetra Irina Ramilo.

Dr.ª Irina Ramilo, médica ginecologia Hospital Lusíadas, Lisboa
Página de Instagram: "a ginecologista melhor amiga"

Criado em 1987 pela Rede de Saúde das Mulheres Latino-Americanas e do Caribe, o Dia Mundial da Saúde da Mulher surgiu como resposta à violência obstétrica e à mortalidade materna, mas, passadas quase quatro décadas, o campo da saúde feminina continua marcado por desigualdades gritantes e por um silencioso desrespeito à autonomia e à dignidade das mulheres.

A saúde da mulher ainda é um campo de batalha, um espaço em disputa: entre políticas públicas e interesses privados, entre ciência e ideologias retrógradas, entre os direitos humanos e a omissão histórica.

Muito mais do que uma oportunidade para discutir doenças específicas, o dia convida à construção de uma visão holística e interseccional da saúde da mulher, reconhecendo os diversos fatores biológicos, sociais, económicos e culturais que a influenciam.

Desde a puberdade até a menopausa, cada etapa apresenta necessidades e vulnerabilidades únicas. Além disso, a condição de ser mulher, em muitos contextos, está associada a desigualdades estruturais, acesso desigual a recursos de saúde e exposição à violência de género. Portanto, falar sobre saúde da mulher é também falar sobre direitos humanos, equidade, educação e políticas públicas eficazes.

1- Um panorama global da saúde da mulher

Apesar dos avanços significativos nas últimas décadas, a saúde da mulher continua a ser um campo marcado por desigualdades. Em países em desenvolvimento, muitas mulheres ainda enfrentam altas taxas de mortalidade materna, acesso limitado a métodos contracetivos e falta de atenção adequada a doenças sexualmente transmissíveis. Segundo dados da Organização Mundial da Saúde, cerca de 295 mil mulheres morreram por causas relacionadas à gravidez e ao parto em 2017, a maioria em países em desenvolvimento.

Nos países desenvolvidos, embora o acesso aos serviços de saúde seja mais amplo, persistem desafios como o subdiagnóstico de doenças crónicas (como as doenças cardiovasculares, que são a principal causa de morte entre mulheres), o impacto das doenças mentais, e a desigualdade no tratamento da dor e do sofrimento emocional.

A saúde da mulher também está profundamente ligada à sua posição social e económica. Mulheres em situação de pobreza, mulheres negras, indígenas, migrantes, com deficiência enfrentam barreiras ainda maiores, tanto no acesso aos serviços quanto na qualidade do cuidado recebido. A interseccionalidade é, portanto, essencial para compreender e enfrentar os desafios na saúde da mulher. 

2- Saúde reprodutiva e direitos sexuais

A saúde reprodutiva é um dos pilares centrais da saúde da mulher. Ela envolve não apenas o direito de ter acesso a métodos contracetivos seguros e eficazes, mas também a possibilidade de decidir sobre a maternidade de forma livre e informada, com suporte médico e psicológico adequado. O acesso ao aborto legal e seguro continua a ser uma questão controversa em muitos países, com legislações restritivas que colocam a vida das mulheres em risco.

Além disso, a educação sexual é uma ferramenta poderosa de prevençãoQuando bem implementada, contribui para a redução da gravidez na adolescência, da violência sexual e das infeções sexualmente transmissíveis, além de fortalecer a autonomia corporal das mulheres. No entanto, a ausência de políticas públicas abrangentes, aliada a visões moralistas, ainda impede que muitas meninas e mulheres tenham acesso a informações básicas sobre seu próprio corpo.

A saúde menstrual também precisa ser considerada como parte integrante da saúde reprodutiva. Em muitos lugares do mundo, a pobreza menstrual é uma realidade, com impacto na dignidade e na saúde de milhões de mulheres que não têm acesso a produtos de higiene adequados, água potável e saneamento.

3- Gravidez, parto e maternidade segura

A gravidez é um momento marcante na vida de muitas mulheres, mas também pode ser uma fase de vulnerabilidade. Garantir uma maternidade segura é assegurar o direito à vida, ao respeito e ao cuidado digno. A mortalidade materna, embora tenha diminuído globalmente, ainda é alarmante em muitas regiões. Entre as causas mais comuns estão as hemorragias, infeções, hipertensão gestacional e complicações no parto — muitas das quais são evitáveis com cuidados pré-natais e assistência médica adequada.

4- Saúde mental: o peso invisível

A saúde mental das mulheres é frequentemente negligenciada, embora estudos demonstrem que elas são mais propensas a desenvolver quadros de ansiedade, depressão e distúrbios alimentares. As razões são multifatoriais: além das mudanças hormonais naturais da vida feminina (como as que ocorrem na puberdade, gravidez, puerpério e menopausa), fatores psicossociais como sobrecarga de trabalho, violência doméstica, assédio, discriminação e pressões estéticas têm impacto direto na saúde emocional.

A pandemia de COVID-19 evidenciou ainda mais essas vulnerabilidades. Durante esse período, houve um aumento significativo de casos de depressão e ansiedade entre mulheres, especialmente aquelas que atuam como cuidadoras, mães solteiras ou as profissionais de saúde.

Promover a saúde mental da mulher requer investimento em serviços de psicologia acessíveis, campanhas de conscientização e construção de redes de apoio. É fundamental também que a saúde mental seja integrada nos serviços de saúde reprodutiva e atenção primária, de forma acolhedora e humanizada.

5- Violência de género como questão de saúde pública

A violência de género é uma epidemia silenciosa que afeta milhões de mulheres em todo o mundo. Segundo dados da ONU, uma em cada três mulheres já sofreu algum tipo de violência física ou sexual por parte de um parceiro íntimo. Essa violência tem implicações devastadoras na saúde física e mental: desde lesões físicas, problemas ginecológicos, e doenças sexualmente transmissíveis, depressão, distúrbios pós-traumáticos e suicídio.

O sistema de saúde desempenha um papel crucial na identificação e acolhimento das vítimas de violência. Muitas mulheres procuram os serviços de saúde como primeiro recurso, e, por isso, é essencial que profissionais estejam capacitados para oferecer um atendimento sensível, sem julgamento, garantindo sigilo e encaminhamentos adequados.

A violência contra a mulher não é apenas um problema de segurança — é uma questão de saúde pública e de direitos humanos.

6- A menopausa e o envelhecimento com dignidade

A menopausa ainda tem associados inúmeros preconceitos e desinformação. Muitas mulheres entram nessa fase com medo, sentindo-se invisíveis e desvalorizadas. 

O que poderia ser uma transição — uma nova etapa de liberdade e sabedoria — torna-se um momento de solidão e desconforto.

Precisamos ressignificar a menopausa, oferecendo informação, suporte, respeito, e liberdade de escolha, e pensar o envelhecimento das mulheres como uma oportunidade de valorização da experiência.

Mulheres mais velhas têm o direito de viver com saúde, prazer, autonomia e reconhecimento. E isso começa por políticas públicas que escutem essas mulheres e atendam às suas reais necessidades.

As doenças crónicas não transmissíveis — como doenças cardiovasculares, diabetes, cancro, osteoporose e doenças autoimunes — são uma das principais causas de morte entre mulheres menopáusicas. No entanto, durante muito tempo, os estudos clínicos foram maioritariamente realizados com homens, o que levou à sub-representação das mulheres nas pesquisas médicas e a diagnósticos imprecisos ou tardios.

Um exemplo emblemático é o enfarto do miocárdio. Nas mulheres, os sintomas podem-se manifestar de forma diferente — como fadiga, náuseas e dor nas costas — e, por isso, são muitas vezes subestimados. A mesma lógica se aplica à dor crónica, frequentemente desconsiderada ou rotulada como “emocional” quando relatada por mulheres.

Garantir um envelhecimento ativo, saudável e com dignidade é parte do compromisso com a saúde da mulher.

A medicina de género, que considera as diferenças biológicas e sociais entre homens e mulheres, é essencial para melhorar a qualidade dos diagnósticos e tratamentos. A equidade em saúde começa com a ciência baseada na diversidade.

7- Políticas públicas e ativismo: a saúde como direito

Nada do que foi dito até aqui será possível sem políticas públicas robustas, com orçamento, planeamento, fiscalização e participação social. A saúde da mulher precisa estar garantida em lei, sustentada por dados e exigida pela população.

O Sistema Nacional de Saúde, apesar dos seus desafios, é um exemplo de política pública que reconhece a saúde como direito. Mas ele precisa de ser defendido e fortalecido constantemente — e a saúde da mulher deve ser uma de suas prioridades estratégicas.

A saúde da mulher é, antes de tudo, uma causa política.

Em jeito de conclusão: não basta um dia, é preciso um compromisso.

O Dia Mundial da Saúde da Mulher é um marco simbólico, mas o que realmente importa é o que fazemos nos outros 364 dias do ano. Garantir saúde para as mulheres significa muito mais do que oferecer consultas ginecológicas. Significa reconhecer que o corpo da mulher é um território de direitos. Que a sua dor é real. Que a sua vida importa.

Enquanto a saúde da mulher for marcada pela desigualdade, pelo silêncio e pela falta de consideração, não haverá justiça social. E justiça social é a base de qualquer sociedade saudável.

Por isso, neste 28 de maio, como ginecologista e como Mulher, deixo um convite: ouçamos as mulheres. Acreditemos nelas. Invistamos nelas. A saúde da mulher não é um favor — é uma obrigação do Estado, uma responsabilidade da sociedade e um compromisso de cada um de nós.

Porque quando uma mulher é bem cuidada, toda uma comunidade evolui.

Cuidar da saúde da mulher é cuidar do futuro da humanidade, pois mulheres saudáveis constroem comunidades mais saudáveis, educam, lideram e transformam o mundo. 

A saúde da mulher é um direito, não um privilégio. E garantir esse direito é responsabilidade de todos nós.

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