Suzy Parker num tailleur Balenciaga, 1953
Design e Artes

As fotografias de moda do visionário Dambier estão no Museu do Traje.

Acaba de inaugurar – e pode ser vista até 30 de outubro – a mostra inédita em Portugal da fotografia de moda de Georges Dambier, um dos nomes maiores da revista Elle e dos primeiros a fotografar moda no nosso país. A Versa fez a visita guiada com a sua curadora, Anabela Becho.

Entramos no átrio do museu do Traje, um oásis no meio da urbe do Lumiar, uma sensação de serenidade e imponência, a beleza de outros tempos quando o tempo tinha valor. Anabela Becho, historiadora de moda, investigadora na área e a curadora de Viver a sua vida, Georges Dambier e a Moda, encaminha-nos para a sala exterior ao museu que alberga a exposição.

Georges Dambier começou por desenhar e fazer design gráfico até descobrir a fotografia quando se torna assistente do retratista Willy Rizzo.  Aos 20 anos, com a Segunda Grande Guerra a terminar, Paris era uma cidade a lamber as feridas, mas também a reinventar-se, a reencontrar a sua leveza e alegria naturais, e a ressuscitar a vida noturna, dos cafés aos cabarés e aos clubes de jazz. Dambier retrata uma sociedade em mudança, mas com uma particular predileção por artistas e celebridades, e quando, numa noite, apanha Rita Hayworth e vende as suas imagens, ganha um emprego na France Dimanche mas entretanto já enturmado com alguns nomes da moda, passa pouco depois para a revista Elle, dirigida por Helene Lazareff, mas rapidamente se cansa das modelos inertes fotografadas em estúdio.  

“A Elle era uma revista muito diferente da Vogue, que continuava a encubar uma imagem da Alta-Costura muito estereotipada, e Georges Dambier introduz dinamismo e agilidade e traz a Alta Costura para rua, de acordo com a revolução que está a passar-se.” A partir em 1951-52, a própria tradição da Alta Costura começa mesmo a mudar e “aproxima-se mais da mulher e das suas necessidades, ele foi dos primeiros a trazer esta espontaneidade do momento para a fotografia de moda”, diz-nos a curadora enquanto aponta a belíssima fotografia de Bettina vestida de Givenchy: “Personifica a Alta Costura em reinvenção, talhada ao corpo da mulher, feita para a andar e para o movimento.”

Regarde-moi avec un regard de tendresse” (olha para mim com ternura no olhar) é uma frase que “diz muito sobre o seu trabalho e a relação muito íntima que criava com as manequins”, conta-nos a curadora. Dambier fotografou as modelos mais conhecidas da sua época, as francesas Bettina e Capucine, até Brigitte Bardot, todas suas amigas, e as americanas Suzy Parker e Dorian Leigh, para nomear algumas. “Ainda não eram chamadas de top models, mas a Suzy Parker era das mais requisitadas, veio a ser musa do [Richard] Avedon, ela própria fotógrafa. Ele retrata-a a maquilhar-se na montra da loja Lanvin na Faubourg Saint Honoré”. E sublinha a importância da criações de Coco Chanel numa época em que predominavam os costureiros masculinos que idealizavam a mulher: “Chanel chega e diz não, regressa à moda em 53 , reabre a sua casa depois de 12 anos de ausência, e apresenta a sua coleção em 54, com uma abordagem totalmente diferente que vai insurgir-se contra a hiperfeminilização e a objetificação.”

Seguem-se imagens que refletem sobre a natureza da própria fotografia de moda, avisa Anabela Becho, a que surge dos ditames comerciais, “é preciso vender determinada peça e divulgar nas revistas de moda ou nas fotografias de registo das próprias casas, as chamadas ‘fotografias de cabine’, ao mesmo tempo é uma disciplina que vai criando uma liberdade narrativa, uma marca autoral e de sonho.” Dambier desconstrói as fotografias de moda ao mostrar os seus bastidores e é um dos responsáveis pela ideia de “fotógrafo-turista, ele parte com manequins e editoras de moda começa a ter alguma importância, a viajar pelo mundo”. E vemos imagens de quando Dambier vai para Itália com a sua mulher, que era modelo, e levam malas com peças escolhidas pela revista e fotografam em Roma, em Veneza, por todo o país.

Destaque para o editorial de moda fotografado por Georges Dambier, em Portugal, para a Elle, em 1957.  A revista já cá tinha estado dois anos antes, mas esta foi feita especificamente para uma marca francesa “que tentava aliar a sofisticação da Alta Costura parisiense ao pronto a vestir que, nesta altura, tem uma democratização mais expressiva. A sua vinda teve o apoio da Air France numa altura em que os voos para Portugal começaram a ser mais frequentes. E o olhar do Georges Dambier é muito curioso, nota-se a sua formação gráfica e o seu sentido de cor, a forma como coloca as manequins a interagir com a população local vestida com os fatos tradicionais, e mostra duas realidades e o abismo entre elas.”

Termina com uma fotografia tirada no Hotel Palácio, no Estoril, “presumo que a equipa tenha ficado lá hospedada, mas não pude comprová-lo, o livro de hóspedes deste período desapareceu, este hotel tem muitas histórias ligadas à espionagem durante a guerra...”, revela-nos Anabela Becho. “Mas nela podemos ver o sentido de subserviência que o país tinha, e continua a ter”. À saída, uma vitrine exibe algumas das máquinas originais pertencentes a Georges Dambier, algumas delas usadas nas fotografias expostas. E numa pequena sala contígua está a instalação sonora da curadora, também formada pelas Belas-Artes, intitulada Robe Fantôme.  

Ao todo são 39 fotografias, 35 numa sala de “museologia austera,  para dar ênfase à geometria do espaço”, as restantes estão no próprio museu do Traj,e “porque queria criar uma relação entre o museu e a sua colecção, era importante”, remata. “Vemos todo um diálogo com as peças que estão lá”, mas com uma grande subtileza que convidam o visitante a descobrir. O trabalho de pesquisa para esta exposição foi feita nos arquivos das casas de alta Costura, em Paris, “para juntar camadas de memória a estas fotografias” e o seu título Vivre sa Vie é inspirada no filme de Godard, lembrando que Georges Dambier teve uma carreira mais vasta do que a moda, sendo que se dedicou a esta a tempo em exclusividade nos anos 50 e 60: “Este espírito de Dambier antecipa uns anos a Nouvelle Vague, esta ideia da mulher na cidade.”

Por outro lado, acrescenta, toda a exposição assenta, para a historiadora de moda e investigadora, “na estrutura que Roland Barthes propõe no seu estudo para o sistema da moda, em 1958-9, onde analisou precisamente a Elle e a moda como um sistema complexo com vários níveis e leituras. Ele propõe o vetements-image, aqui estão as fotografias; o vetement-écrit, a construção da imagem de moda através da palavra, presente nas legendas originais com que foram publicadas estas imagens e o vestuário real, o vetement real. Eu acrescento mais uma dimensão, com o Robe Fantôme, e que é o vetement dit, a voz que narra o texto.” Curiosamente, o filósofo foi professor de Dambier no liceu, “e o Câmara Clara (de Barthes] era um dos seus livros de cabeceira”.  

Desta mostra deliciosa fica-nos ainda a frase exposta de Almeida Garrett, que escreveu sobre moda, e teve uma revista de moda, em 1822, O toucador periódico sem Política dedicado às senhora portuguezas. "Ainda antes de Stephane Mallarmé e Baudelaire, para quem a moda era a expressão máxima da modernidade." Lê-se: "De todas as invenções humanas com que o nosso espírito se pode honrar a que mais o acredita, sem dúvida, a mais espirituosa e brilhante são as modas. (…) A natural delicadeza e tacto fino dos franceses o fez distinguir-se muito neste género sublime das descobertas humanas. São pois as modas francesas as que nos hão-de ocupar, suas elegantes invenções, espirituosos rufos, delicadas guarnições, engenhosos toucados e acatitados chapéus, as que examinaremos constantemente e cuja descrição daremos em os nossos números. Igualmente, apresentaremos o maior ou menor grau de voga que terão estas modas em Lisboa."

A exposição pode ainda ser levada para casa no seu belíssimo catálogo. 

Museu do Traje
Largo Júlio Castilho, 1600-483 Lisboa
Preço do Bilhete de Entrada na Exposição Temporária : €2

Nécessaire

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