Divide o pensamento entre o Digital e as Belas Artes. Antonio D’Addio é artista, professor no IED, com um trabalho que passa por investigar a relação entre o Ser Humano e a Terra. Já expôs na Biennale d´Arte di Venezia, colaborou com marcas como Vivienne Westwood, Moschino e Hermès, foi distinguido com prémios como o “Premio Franca Sozzani 2017’’ e o ‘‘Vogue Talents Master Style”. Era uma entrevista sobre tecnologia, mas tornou-se uma conVERSA sobre árvores e constelações.
Às vezes, sinto que é difícil definir o momento que vivemos. Hoje posso estar a trabalhar com Inteligência Artificial (IA), no dia seguinte acredito que o futuro é analógico. Encontrei a pessoa certa para me ajudar a entender este sentimento?
Concordo, acho que não é possível definir este momento da história. Também acredito que é uma oportunidade empolgante para, finalmente, se desaprender a rotular tudo. Quão libertador seria? Sermos quem sentimos que somos, todas as manhãs. Pessoalmente, acordo um dia a sentir-me um feiticeiro, no outro dia acordo como um alquimista tecnológico. Portanto, entendo os teus sentimentos.
Acho que navegamos por uma das maiores mudanças da história da humanidade, estamos a desvendar realidades (Antropoceno, crise climática, IA) que mudarão, radicalmente, o mundo que conhecemos e ainda não temos as ferramentas para entendê-lo. É preciso desaprender e, ao mesmo tempo, recordar para entender o momento que vivemos. Na minha opinião, a colaboração é fundamental.
E vivemos dias entusiasmantes (tecnologicamente falando, mas também criativamente …), ou estás entediado e sentes que falta curiosidade no mundo?
Em 1975, Patti Smith cantou "dip in to the sea, to the sea of possibilities”. Acredito que este é o melhor momento que poderíamos ter vivido, porque é o momento das possibilidades. Sinto que estamos a despertar e a perceber o imenso privilégio deste século, que é a possibilidade de fazer uma escolha. Podemos escolher de que lado estamos e temos uma enorme responsabilidade ao fazê-lo.
Acho mais emocionante ser guiado pelas estrelas do que pela Alexa. Odeio o que é “ready-made”. Podemos usar os nossos telefones para rastrear e descobrir constelações na palma das mãos, em vez de procurar o elixir da longa vida através do mais recente filtro de IA no rosto.
Desde que começaste a investigar a relação entre o Humano e a Terra... Onde já chegaste? O que foi game changer?
Tudo se transformou ao estudar as árvores. Começando pelo básico: as nossas vidas dependem das árvores, tendemos a esquecer isso. No entanto, a nossa geração é a que cortou a maior quantidade delas, para obter lucro! Não consideras inteligente uma espécie que está a causar a sua própria extinção. Foi assim que aprendi que as plantas são muito mais inteligentes do que nós. Os nossos antepassados sabiam-no. Quanto mais me aproximei das árvores, percebi melhor que as respostas são sussurradas através das folhas nos galhos. Atualmente, o que me deixa chocado são todas as pesquisas que os cientistas fazem sobre os fungos e a relação entre eles e as árvores.
Quanto mais olho de perto, mais respostas encontro sobre questões do dia a dia. Está tudo ligado e leva à colaboração. A world wide web e a wood wide web estão interligadas. Tudo leva às velhas formas como os nossos antepassados viviam em paz com Gaia, a Terra: o que temos a fazer é "lembrar de lembrar". Acredito que a tecnologia pode ser uma ponte para esse conhecimento.
Há uns anos, a moda caminhou para a moda digital com os The Fabricant, por exemplo. Ainda faz sentido ou vês novas formas de colaboração entre moda e tecnologia?
Acredito que entre todas as indústrias criativas, a moda poderia beneficiar mais das oportunidades que as tecnologias oferecem e, no entanto, é uma das mais céticas na sua implementação. Os Ceos podiam ficar contentes ao economizar dinheiro com prototipagem digital e os criativos podiam projetar usando ferramentas que transformariam ciclos viciosos em ciclos virtuosos.
Tem havido uma falta de confiança. Sabemos que quando surge algo novo e diferente, pode ser considerado uma ameaça. Devo dizer que, embora veja uma abertura nos últimos anos, sinto que ainda há a perceção de que não é a tecnologia que se teme, mas o uso dela. Se nos educássemos, iriamos colaborar com a tecnologia e não competir com ela.
Tentando apontar tendências... Quais as maiores mudanças que esperas que a tecnologia traga às indústrias criativas nos próximos anos?
Polarização. A IA vai prever tendências com tanta precisão que temo que o trabalho dos designers se torne cada dia mais monótono e repetitivo, pois os relatórios vão chegar prontos às suas secretárias.
Por outro lado, sinto, e espero, que isso gere uma onda de disruptores imprevisíveis que usarão a sua melhor imaginação para responder às nossas verdadeiras necessidades, aproximando-nos da base, as árvores. É aí que me vais encontrar.
Que marcas/empresas (na moda, por exemplo) lidera o caminho ...
Empresas técnicas e de desporto. Não são as empresas mais próximas da natureza que estão a aderir às tecnologias para o bem da nossa espécie e do planeta.
E nós (consumidores em geral) estamos, realmente, prontos para mudar?
Acredito que prontos ou não, vamos beber a poção de qualquer maneira.
Encontras "poesia" na tecnologia?
Absolutamente! Acredito que qualquer coisa que venha do coração carrega pedaços da pessoa que a criou. O principal mal-entendido com o mundo digital é que se acredita como algo separado do físico. Acredito que a realidade é aquela em que nos apoiamos. Se não entendermos, profundamente, as regras do mundo físico, nada de interessante pode surgir do mundo digital.
Como um dos meus professores disse uma vez:
"DEVEMOS AGIR RÁPIDO:
DEVEMOS DESACELERAR."