Durante 20 anos, os desfiles da Victoria's Secret sempre promoveram uma definição reduzida de sexy, que deixava pouco espaço para a diversidade. Face às mudanças culturais e a uma audiência cada vez menor, o espetáculo foi cancelado em 2019 com a promessa de que a marca iria trabalhar na sua estratégia de inclusão, respondendo ao apelo de tantos que se manifestavam contra a cultura do “corpo magro”. Mas a estratégia no decorrer dos últimos anos pareceu demasiado forçada e nem o documentário que tentava reformular (ainda mais) o diálogo em torno da marca - através do olhar feminino de mulheres diretoras e criadoras – trouxe a aceitação do público. Até porque a marca enfrentava um escrutínio contínuo. Com documentários como o de Matt Tyrnauer, Victoria's Secret: Angels and Demons, ou o livro Selling Sexy: Victoria's Secret and the Unraveling of an American Icon, de Lauren Sherman e Chantal Fernandez, a levantar o véu sobre todos os “podres” de bastidores, chegando mesmo a falar de um envolvimento com Jeffrey Epstein, para enumerar apenas um dos muitos exemplos.
Mas a Victoria's parece não saber sair de cena. E, após anos de expectativas e de estratégia de reposicionamento, trouxe, finalmente, os Anjos a desfile. Um espetáculo muito esperado que contou com um pouco de tudo: novos e velhos anjos, mais inclusão e muito menos aplausos.
E, sim, houve representatividade e um “suposto novo” conceito de beleza, que abraçou diferentes formas, etnias e idades. Kate Moss, Carla Bruni, Eva Herzigova e Tyra Banks, todas com 50 anos ou mais, desfilaram. Alex Consani e Valentina Sampaio tornaram-se as primeiras modelos transgéneras a aparecer no desfile, o que em tempos fora um ponto de discórdia. E vimos a modelo plus size Ashley Graham com asas. Até os momentos musicais foram, desta vez, protagonizados por uma cantora coreana, a artista de K-pop Lisa, e a sul-africana Tyla, ao lado de Cher. Tudo isto entre muitas manequins magras, para reforçar o que sempre foi lema da marca.
Foi, assim, uma resposta desesperada a todas as críticas. Quiseram ser tudo e foram pouca coisa. O desfile parecia querer convencer o público que era inclusivo, em vez de o ser na sua essência. Lembrou aqueles comentários de café, em que ouvimos “Eu não sou racista porque até tenho um amigo preto” ou eu “Não sou homofóbico, só não gosto de ver essas coisas perto de mim”.
Até o público parece ter percebido que o verdadeira anjo era um impostor, e não perdoou. As críticas foram rápidas e diretas, apontando que, apesar das boas intenções, a marca estava a forçar uma diversidade que, aos olhos de muitos, parecia pouco genuína.
Por outro lado, temos os descontentes, sem grande sentido de responsabilidade social
Ashley Graham, com uma carreira que é sinónimo de empoderamento e aceitação, deveria ter sido um ponto forte desta nova era da Victoria’s Secret. Mas, para um público que há muito se habituou a um padrão específico de beleza, a sua presença serviu como um símbolo de mudança drástica que nem todos estavam preparados para abraçar. “Ela não é um anjo, um anjo tem de ser inalcançável”, em jeito de pregar a inveja pelo corpo magro, tantas vezes associado a distúrbios.
E, por fim, a única certeza
Com mais ou menos inclusão, a Victoria’s Secret deixou claro que o seu conceito de sexy não se alterou com os tempos e volta com a sua lingerie espalhafatosa a forçar um objeto de desejo. Os tempos mudaram… e pensar que a mulher sexy de hoje nem precisa de usar um sutiã?