Paula Rego. Fotografia: reprodução Instagram.
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Paula Rego está toda na sua grande tela The Dance

São poucas as artistas que deixam um buraco no coração e um vazio na história. Paula Rego deixou-nos, das mais carismáticas e fortes pintoras portuguesas, há muito radicada no Reino Unido. A Versa relembra-a apartir da sua magnífica obra The Dance – que ela dizia ser uma súmula de tudo o resto. Um quadro que parece um sonho e podia ser uma metáfora dos dias de hoje: dancing until the end of love

Há um quadro de Paula Rego, The Dance, de 1988, que nos arrepia sempre que nos cruzamos com ele. Comprado pela Tate de Londres um ano depois de ter sido pintado, é onde permanece, espaçoso e altivo, tanto como humilde e verdadeiro. E não é só o seu tamanho que arrebata e impressiona, há muitas grandes telas de Paula Rego, e são quase todas fortes, mas esta tem o condão de ser uma espécie de súmula do seu trabalho – dos mais optimistas que pintou, ainda que nele prevaleça a sua melancolia de sempre.

É um acrílico sobre papel sobre tela e nele oito figuras dançam numa praia, ao luar. São mulheres, homens, crianças e parecem felizes, distraídos dos males do mundo e de todo o peso que este, às vezes, deixa sobre os nossos ombros cansados. Sem nós, tantas vezes, percebermos o porquê do que nos acontece, este quadro é quase como uma metáfora da nossa ingenuidade e da nossa fuga para a frente: como decidimos tão pouco, resta-nos dançar, alheios ao nosso destino.  

Nesta grande tela, uma mulher parece grávida, um dos temas fortes de Paula Rego: a maternidade e como essa define o feminino, ainda mais nos países católicos do sul como Portugal, onde Paula nasceu, em 1935, mas do qual fugiu assim que pode, com 17 anos, para estudar na Slade School of Fine Art, e nunca mais voltou. Lutava contra um meio familiar convencional e religioso em Portugal e contra os meios da arte, profundamente patriarcais. Foram sempre políticos os seus temas, também sobre a infância e os mitos, mas de uma forma mais evidente são fortes os seus quadros sobre o aborto e a violência doméstica, temas que persistem inexplicavelmente nos dias hoje. Repare-se que as mulheres nas telas de Paula Rego são sempre grandes e fortes, robustas e resistentes como as mulheres sofridas do seu país, que cuidam de tudo e de todos, sempre em primeiro plano nas suas telas.

Ao mesmo tempo que estas pessoas dançam, são iluminados pela lua rodeada de nuvens, esse símbolo do feminino, mas também de tudo o que é velado e, por isso, menos óbvio. Ao fundo, uma grande escarpa, como as que encontramos na costa portuguesa, mas desta vez o mar está calmo, como está sempre antes e depois das grandes tempestades. A escarpa também tem o simbolismo do fatalismo: atiramo-nos de uma escarpa e o mais provável é morrermos, mas também podemos voar. Repare-se que no seu topo está uma pequena estrutura fortificada, como os castelos dos conquistadores europeus, ou a ruína dos seus grandes impérios. Como nas nossas vidas, e apesar de defensivos, somos donos de muito pouco, resta-nos proteger o que vamos construindo e observar o horizonte. Alguns especialistas dizem tratar-se de um forte muito parecido com o de Caxias, que foi uma prisão de tortura durante o Estado Novo.

Este quadro, que é como se fosse um sonho de Paula Rego, com tudo o que tem de possível, e de assustador, foi começado em Portugal, mas terminado em Londres. Precisou de 10 desenhos preparatórios, doados à Tate de Londres quando esta comprou o quadro. Numa entrevista, Paula Rego disse que “este era o quadro que ligaria tudo” e que deveria “estar pendurado sobre tudo o resto”.

The Dance é uma pintura autobiográfica, dizem muitos especialistas. Consta que o marido de Paula Rego, Victor Willing, que morreu nesse mesmo ano de 1988, nunca o chegou a ver completo, mas foi dele a ideia de ela pintar pessoas a dançar. Consta que o marido e o filho foram mesmo os seus modelos masculinos para este quadro, Paula pintava mais mulheres. Afinal, dançar salva-nos tantas vezes, não é? Como cantaria Leonard Cohen: que dances até ao fim do amor.

Claro que o governo vai declarar luto nacional, claro que, se ainda não foi, é desta que tem de visitar a Casa das Histórias de Paula Rego, em Cascais, e saber que ela recebeu desde o grande Prémio Turner, em 1989, e o Grande Prémio Amadeo de Souza-Cardoso em 2013. A Rainha Isabel II deu-lhe a Ordem do Império Britânico com o grau de Oficial e por cá, recebeu a Grã-Cruz da Ordem Militar de Sant'Iago da Espada, em 2004 e, mais recentemente, a Medalha de Honra da Cidade de Lisboa.

 

 

 

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