Chef Kiko Martins | Fotografia: DR
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No novo restaurante, Kiko Martins mostra que ainda não encostou as botas

Le Bleu, em Campo de Ourique, é o novo restaurante onde Kiko Martins só cozinha peixe e marisco. Arriscar e fazer uso da técnica são as palavras de ordem, num sítio onde o que vem para mesa não é o que parece.

Kiko Martins tem “os pés mais assentes na terra”. O chef de 45 anos já não tem “a mesma garra de alguns miúdos que são capazes de estar no fogão durante 12 horas”, mas dá por ele a passar cada vez mais tempo na cozinha a criar e a experimentar. “Hoje, estou aqui desde as 11h da manhã. A fazer testes para um projeto novo e a afinar pratos”, afirma entusiasmado, sentado numa das mesas do Le Bleu, em Campo de Ourique – o seu novo restaurante onde apenas trabalha peixe e marisco –, depois de mais um serviço.

Com a mira apontada à matéria-prima que encontra nas águas do Atlântico, Kiko Martins decidiu apostar num restaurante que pode ser lido como estando em contracorrente com o que é feito na maioria das cozinhas dos restaurantes europeus, que privilegiam a simplicidade dos sabores e das técnicas deixando o produto brilhar. “Este não é um restaurante, digamos, de comida democrática”, resume o chef que no próximo ano abrirá um restaurante de fine dining inserido num novo hotel de Lisboa, mas sobre o qual ainda pouco se sabe. 

Com uma carta sucinta, dividida em entradas, principais e sobremesas, percebemos o que Kiko Martins pretende transmitir com a referência a comida que poderá não ser entendida como democrática quando provamos o bacalhau à Brás (€9,3/ 2 uni.), um snack para comer em duas dentadas que desconstrói o típico prato do receituário português, trabalhando os seus ingredientes de outra forma. “Às vezes é preciso darmos um murro na mesa se queremos evoluir. E muito da lógica aqui dentro foi encontrar preparações, técnicas e pratos que eu nunca tivesse trabalhado”, diz, aludindo ao nigiri de lírio e marshmallow (€7,60/ 2 uni.), em que o arroz é substituído por um marshmallow feito com caldo de peixe, ou ao Wellington de pregado e camarão (€76,30/ 2 pax), em que parte da receita clássica transformando-o completamente.

Kiko Martins não esconde que quer arriscar nesta fase da sua carreira e a prova disso é o que traz para a mesa neste restaurante onde nada do que é servido é de facto o que parece. Só assim, acredita, consegue continuar a “evoluir nisto da cozinha”. “Tenho 45 anos, tenho muito caminho ainda para percorrer, não me sinto com vontade de encostar as botas, sinto-me com vontade de continuar a trabalhar e criar. Se nós ficamos muito presos ao passado, se nós ficamos muito presos à moda, começamos a fazer muito copy-paste e então começamos a incorrer naquilo que fazíamos antigamente.”

Numa altura em que se fala de crise na restauração, não será arriscado apostar num restaurante com estas características, perguntamos-lhe. “ Eu não posso queixar-me, mas tenho a noção de que o mercado está muito difícil. O produto está caríssimo, a mão de obra também é mais cara e, por isso, temos que nos ir ajustando. Mas também era previsível que isto fosse ficar assim. Só quem estivesse um bocado a léguas é que não entendia o mercado”, acredita.  Parte da solução para o problema que se vive poderá passar por “criar argumentos para ser diferente”. 

“Podemos estar a fazer imensas coisas mal neste restaurante, mas pelo menos tudo o que está aqui foi muito pensado. Ou seja, podem dizer que não gostaram disto ou aquilo, mas a verdade é que cada um dos pratos nesta carta foi muito testado, muito planeado, muito provado, muito desenvolvido.”

O pão da sanduíche de barriga de atum (€13,7) não é o que parece e as ostras da Ria Formosa (€8,9 / 2uni.) não vivem apenas do seu tempero. “Tudo tem que ser um bocadinho. Este é o meu único restaurante em que não tenho associado um país. A técnica é o mais importante aqui”.

Nas sobremesas, a lógica é a mesma. Em cada uma delas encontramos poucos ingredientes, mas muita técnica. Na mousse de crème fraiche e granizado de romã (€7,4), só há “crème fraiche, espargos brancos e romã”. No cremoso de pistacho e goma de maracujá (€8,9) só entra o tomilho; no mont-blanc de chocolate e cereja de avelã, uma memória dos tempos passados no histórico Fat Duck, só entra mesmo chocolate, avelã e cereja. “São três sabores por prato. Não tento meter no prato mais do que isso”, afirma.

Tudo o que provamos no Le Bleu é, portanto, reflexo de uma mudança na forma de estar na cozinha e na vida, reconhece Kiko, que em  2022, com a abertura do Las Dos Manos, um restaurante mexicano que vai buscar influências à gastronomia nipónica, começava esta transformação. “Tenho maturidade,tenho conhecimento e tenho vontade. E, por isso, dá-me esta capacidade de encarar os dias de uma forma diferente. Ter tempo para poder pensar e criar e ensinar de uma forma melhor também”, diz, realçando que é na cozinha que quer estar. “ Quando nós vamos crescendo,vamos perdendo a mão. E eu não quero perder a mão. Eu sou muito melhor na cozinha do que a fazer qualquer função de gestão.” Será este um ensaio para o restaurante que se segue?

Morada: Rua Saraiva de Carvalho, 131, Lisboa

Horário: Ter-qui 19h-23h, sex-sáb 12h-16h/19h-23h

Tlf.: 211 370 107

Preço médio: €45

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