De há seis anos para cá, muita coisa mudou em Lisboa e no mundo: a cidade gentrificou-se ainda mais, uma pandemia e uma guerra aconteceram pelo meio. Mas no seio de um restaurante familiar localizado no Príncipe Real, as mudanças sucederam-se a um ritmo quase vertiginoso. Dos primeiros tempos de vida do Boubou’s, um restaurante criado por Alexis e Agnes Bourrat, que apostava numa cozinha viajante, sem restrições geográficas, pouco permanece igual. Agora, a experiência gira em torno de dois menus de degustação em que fica claro que este deixou de ser um restaurante de cozinha com técnicas apuradas para passar a ser um estabelecimento de fine dining com outras ambições. Louise Bourrat, que se juntou ao restaurante do irmão e da cunhada em 2018 para dar uma ajuda na cozinha, tornou-se, pelo meio, uma celebridade em França, depois de vencer o famoso programa de culinária Top Chef em 2022. Mas este continua a ser um restaurante de ambiente familiar.
Se os sucessivos confinamentos provocados pela pandemia em 2020 e 2021 se revelaram particularmente desafiadores para os negócios na área da restauração, esse interregno de atividade permitiu à chef luso-francesa, que tem uma costela minhota, ter tempo para pensar no que gostaria de fazer no futuro. “Estava cansada de trabalhar sete dias por semana, sem muito tempo para criar”, explica Louise Bourrat em resposta a perguntas que enviamos por e-mail depois de uma visita ao seu restaurante para provar os novos menus da estação. “Foi uma altura em que comecei a criar muito. Ia quase todos os dias ao restaurante, que estava vazio, e começava a criar novos pratos, diretamente do meu coração, sem ter expectativas sobre como deveriam ser.”
Foi na reabertura dos restaurantes que a chef decidiu juntar um menu de degustação à carta do restaurante. “Foi muito tímido no início, mas os nossos clientes regulares vieram experimentá-lo e o feedback foi muito bom. Alguns anos depois decidimos concentrar-nos apenas nisso, também porque depois do Top Chef a maioria dos clientes optava pelo menu de degustação, sendo mais fácil para nós continuarmos a operar dessa forma.” E assim regressamos a 2024. Numa tarde amena de final de maio, o jardim de inverno nos fundos do restaurante tem um ambiente acolhedor. À porta do restaurante, na rua Monte Olivete, é difícil adivinhar que um espaço assim se esconde nas traseiras. Com o passar das horas, o pátio vai-se enchendo, fazendo-nos crer que se trata de uma noite de sábado e não de um dos primeiros dias de trabalho da semana.
Da cozinha de fusão que antes servia, influenciada em parte pelas muitas viagens que fazia pelo mundo, Louise Bourrat aposta agora numa identidade gastronómica que se inspira na natureza, procurando assumir uma consciência ambiental na comida que serve. Fá-lo com dois menus que exploram as plantas e vegetais – Terrae – e Omnivorous – em que se come de tudo. “Acho que estou a distanciar-me da cozinha de fusão e estou a concentrar-me mais nos produtos e nas suas origens, experimentando uma filosofia de cozinha com desperdício zero que muda totalmente a forma de criar pratos, tentando encontrar usos interessantes para os subprodutos”, explica a chef. Além de retirarem mesas para que os clientes se sintam mais confortáveis, foi construído um laboratório de pastelaria e refeita a cozinha principal do restaurante. “As nossas necessidades mudaram em comparação com os primeiros anos do Boubou’s. Investimos muito para nos tornarmos cada vez melhores.”
Num menu que se estende por aproximadamente duas horas e meia, provamos pratos surpreendentes, como um dim sum com uma mistura de massala no interior, um ceviche vegetariano à base de batata doce ou um capeletti recheado a partir de farinha de pão acompanhado com alcachofra, prato que foi apresentado no programa Top Chef em França.
“Hoje, também tenho finalmente acesso a ingredientes mais nobres como o pombo, a trufa ou o caviar, mas ainda utilizo muitos produtos humildes que adoro porque falam de onde venho e da comida com que fui criada. Folhas, plantas silvestres e flores também estão muito presentes na minha comida, e a influência japonesa encontrou um lugar privilegiado depois de passar lá um mês no início deste ano”, explica Louise, sobre os pratos que serve nos menus que podem ser de sete (€95) ou dez momentos (€125). A harmonização de vinhos (seis copos, €75; dez copos, €105) dá a conhecer produtores com pequenos projetos oriundos de locais como a ilha do Pico, Tenerife, em Espanha, ou Ersten Lagen, na Áustria.
Com tantas mudanças e um investimento tão significativo na sala e na cozinha do Boubou’s, Louise Bourrat não esconde que a estrela está no horizonte. “Conquistar uma estrela Michelin é um objetivo que muitos restaurantes de fine dining têm e seria um orgulho enorme ver o Boubou’s com essa distinção. Trabalhamos todos os dias para entregar a melhor experiência possível aos nossos clientes, ao mesmo tempo que procuramos garantir um bom equilíbrio dentro da nossa equipa. Para nós é realmente importante ter os nossos clientes felizes, a nossa equipa feliz e estarmos também nós felizes. Tendo isso, talvez o resto venha”, confidencia.
Ainda que a maioria dos clientes sejam estrangeiros, “os portugueses estão a regressar” ao Boubou’s, considera. “Durante dois anos, estivemos totalmente reservados durante semanas e meses devido ao efeito Top Chef, por clientes de países francófonos, não tendo muito espaço para reservas de última hora e para os locais. Agora o efeito acalmou e estamos felizes por recuperar a diversidade que tínhamos antes de locais e turistas de países diferentes.”
Apesar de ter alcançado a vitória no programa de culinária que é considerado um dos mais prestigiados de França e que regista audiências televisivas superiores a quatro milhões de espectadores, Louise quis regressar a Portugal e à sua vida no Boubou’s. “Queria manter a minha vida simples aqui e estar tranquila, embora soubesse que isso significava desistir de muitas oportunidades e da fama em França”, reconhece. Louise, Alexis e Agnes provam, assim, que é possível que um restaurante familiar sirva alta cozinha sem perder a autenticidade.