Nelson Soares sempre teve a mão apurada para a cozinha. O carioca de 53 anos, que agora vive em Cascais há quase dois anos, recorda-se de estar atrás do fogão desde os 11 anos, mas só muitos anos mais tarde viria a assumir que esta era a sua verdadeira vocação. Pelo meio, criou uma empresa na área da biotecnologia, mas tudo começou a mudar na sua vida quando, há cinco anos, abriu o Sult no bairro do Botafogo, no Rio de Janeiro, no Brasil.
Do outro lado do Atlântico, este restaurante que ocupa um antigo armazém perto de uma esquina com a Rua Arnaldo Quintela, no Rio de Janeiro, – considerada em 2024 uma das artérias mais cool do mundo pela Time Out – tornou-se um verdadeiro fenómeno: foi destacado como uma das 50 melhores descobertas gastronómicas do mundo pelo prémio 50th Best Restaurants e recebeu um Bib Gourmand do Guia Michelin brasileiro (a distinção abaixo da primeira estrela).
Em Portugal, Nelson decidiu testar a fórmula vencedora do seu restaurante carioca, afastando-se das ruas movimentadas do centro de Lisboa. Depois de muitas viagens pelo país, apaixonou-se pela vila de Cascais e resolveu abrir há quatro meses um novo Sult num antigo edifício no centro da vila, que em tempos já havia sido a casa de um restaurante. Apesar dos milhares de quilómetros de distância, os dois Sult partilham a mesma identidade e servem comida italiana com um toque dos produtos locais disponíveis.
“A inspiração [para o Sult] foi um restaurante italiano em Copenhaga chamado Mangia, onde a cozinha é aberta e as toalhas e as louças são todas brancas”, conta à mesa do seu restaurante em Cascais. O nome, Sult, que traduzido do dinamarquês é o equivalente à palavra portuguesa fome ,“soou bem e ficou sendo o nome do restaurante”, explica Nelson Soares, enquanto aponta para a grande mesa triangular que ocupa o centro do restaurante. “É um projeto nórdico este. Em Cascais, Sisley Quintela, o arquiteto, trouxe a cozinha para dentro da sala com essa mesa de finalização onde se podem sentar até cinco pessoas.” Esta foi, na verdade, a solução encontrada para manter o restaurante de Cascais o mais fiel possível ao do Rio de Janeiro, já que não foi possível durante as obras derrubar uma das paredes para ligar a cozinha à sala do restaurante.
Em Portugal, ao contrário do que fazia no Brasil, Nelson não quer estar sempre atrás da cozinha. “Já fiz a minha parte de serviços. Agora, quero estar envolvido na gestão e deixar os outros criar.”
Para isso, conta com Breno Naar, chef executivo do espaço, e com Julieta Carriço, uma amiga de longa data, que assume a chefia da sala e a curadoria vínica do Sult. “Tem de ter uma vocação e eu nasci para isto, mas até há pouco tempo eu tinha a minha outra empresa. Não vislumbrava me jogar assim dessa forma na gastronomia”, nota sobre o momento em que, em plena pandemia, foi obrigado a dispensar grande parte dos empregados no Brasil e a assumir a cozinha do Sult.
“Eu sempre imaginei um restaurante italiano. Quando assumi a cozinha, resolvi trazer alguns elementos brasileiros para a carta”, conta Nelson sobre o ponto de viragem do Sult no Rio de Janeiro. “Antes viajava muito pelo Brasil, então todas as influências que fui absorvendo fui jogando no menu do Sult.” Num fettucini, por exemplo, Nelson decidiu juntar-lhe sururu, uma espécie de mexilhão típico no Brasil; ou incluir queijo da serra da Canastra (perto de Minas Gerais) e lambretas (uma concha grande que se encontra no Nordeste brasileiro) nos seus pratos de raiz italiana. “Fiz uma loucura que fazia sentido e os italianos adoraram e adotaram o restaurante”, afirma.
Em Lisboa, assume o chef, a abordagem é a mesma. “Aqui preparo arancini com alheira e com queijo de Azeitão [4 uni., €16]. Preparo um ragu com pedaços grandes de carne que fazem lembrar o porco preto alentejano”, enumera. No couvert, os grissinis são feitos com farinha de yuca, fazendo lembrar o típico biscoito de polvilho que se costumava comer nas praias brasileiras.
Na carta, encontram-se, portanto, pratos típicos italianos, como a carne cruda €22, um clássico da região de Piemonte que é a versão italiana de um tártaro de carne, aqui servido com avelãs, Grana Padano e limão, ou pastas como um spaghetti com lingueirão do Sado e bottarga (€28) ou tortellinis de espargos e mascarpone (€26) com molho de pecorino, gemas e trufas – no fundo, um molho quase idêntico ao da carbonara – , mas há sempre que esperar um toque. Há ainda uma apurada e generosa lasanha com fonduta de Parmigiano Reggiano (€26) ou umas lulinhas à gremolata (€20), servidas com tomate cherry confitado e o respetivo molho italiano que lembra um tempero de churrasco.
Nelson Soares divide-se agora entre o Brasil e Portugal, mas vai continuar a apostar em novos negócios deste lado do Atlântico. Para breve, abrirá um bar de vinhos no Porto em que vai ser possível provar vinhos Pormenor à pressão e um restaurante de cozinha de fogo também em Cascais em que “os acompanhamentos vão ser a especialidade”. Para já, no Sult, podemos encontrar uma cozinha italiana que respeita as origens, mas com um toque diferenciador inteligente de incorporar produtos locais de qualidade. “Eu posso fazer pratos clássicos italianos se os clientes me pedirem, mas eu quero é dar a conhecer as minhas receitas”, resume o chef brasileiro.