Gravidez | Fotografia: Unsplash
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Como a saúde mental pode ser impactante na fertilidade, segundo uma psicóloga

Nem sempre o impacto da saúde mental é claro e pode mesmo ter influência na fertilidade. Os sinais de alerta e como contornar situações difíceis, segundo uma psicóloga.

A saúde mental é, como sabemos, uma parte essencial do nosso bem-estar e pode ter efeitos menos visíveis do que pensamos. Para além de oscilações de humor e alterações de apetite ou do sono, a saúde mental pode refletir-se, sem darmos conta, na fertilidade. 

É um ciclo vicioso. O stress e a ansiedade podem comprometer a fertilidade e a infertilidade podem comprometer a saúde mental de quem não consegue engravidar. A propósito do Dia da Saúde Mental, a VERSA falou com uma psicóloga para perceber melhor a causa-efeito e de que forma é que uma mente sã tem influência numa maternidade bem sucedida. Eis todas as respostas. 

Dra. Bárbara Tourais, Psicóloga Clínica da AVA Clinic

Em que medida o stress e a ansiedade podem interferir no ciclo reprodutivo e dificultar a conceção natural?

O stress afeta cada um de nós de forma diferente, dependendo da sensibilidade de cada pessoa ao stress e da natureza dos fatores de stress. Ainda assim, a presença de stress psicológico tem sido relacionada com perturbações da vida reprodutiva, incluindo alterações do ciclo menstrual (por exemplo amenorreia, ausência de menstruação, ou oligomenorreia, menstruação pouco frequente), alterações espermáticas e da função erétil, etc.

Apesar de o stress parecer estar associado a taxas de gravidez mais baixas entre mulheres em tratamento de fertilidade, a causalidade ainda é muito pouco clara e provavelmente variável, dependendo de fatores independentes como, por exemplo, o tipo de infertilidade em causa. Porém, é indiscutível que o stress tem um impacto significativo na qualidade de vida, estando associado a sintomas ou alterações de hábitos (por exemplo aumento dos níveis de cortisol, alterações hormonais e do sistema imunitário, diminuição da libido, oscilações de peso, alterações do sono, tabagismo, consumo de álcool, isolamento) que podem interferir no sucesso reprodutivo. Além disso, vários estudos indicam que níveis mais elevados de stress estão associados ao aumento do tempo até à gravidez (time-to-pregnancy, i.e., o número de meses ou ciclos de relações desprotegidas necessárias até à conceção).

Quais são os principais sintomas ou sinais de que a saúde mental está a impactar a fertilidade de uma pessoa ou casal?

É fundamental prestar atenção a sinais de alerta relacionados com a saúde mental, de forma a tomar medidas antes que se agravem e comecem a afetar a qualidade de vida geral. Oscilações de humor, alterações comportamentais (por exemplo isolamento, perda de interesse e motivação nas atividades diárias, cansaço extremo), alterações de apetite e/ou no padrão do sono, emoções persistentes (por exemplo tristeza, preocupação ou medo excessivo, irritabilidade, desamparo ou desespero), alterações da memória e/ou atenção, e sinais graves como ideação suicida ou pensamentos autodestrutivos devem ser alvo de atenção imediata.

Muitas destas alterações comportamentais precipitadas por questões de saúde mental têm impacto na qualidade de vida e, consequentemente, na fertilidade. Por outro lado, a infertilidade leva a vários desafios de caráter físico e psicológico que podem ter impacto na saúde mental, tornando-se um ciclo vicioso. 

Que hábitos frequentemente associados ao stress, como tabagismo, consumo de álcool ou alterações do sono, têm maior impacto na fertilidade?

O stress está associado a hábitos pouco saudáveis como tabagismo, consumo de álcool, alterações do sono, entre outros, que interferem na saúde geral e na saúde reprodutiva, em particular. A importância dos hábitos de vida é frequentemente desconsiderada pelos casais com problemas de fertilidade. No entanto, estudos têm indicado que fumar tem um impacto negativo na fertilidade, abrangendo praticamente todos os sistemas envolvidos na reprodução e estando associado, por exemplo, a níveis mais baixos de reserva ovárica e à redução da produção de esperma.

Ademais, o consumo de álcool também está associado a variados riscos reprodutivos. Para além de ser um problema público e social relevante, o consumo abusivo de álcool parece estar associado a uma menor qualidade espermática, reserva ovárica mais baixa e menos capacidade de engravidar no espaço de um ciclo menstrual. Por fim, o sono é crucial para a saúde em geral e para a função reprodutiva, tendo influência na regulação hormonal, regulação do ciclo menstrual, qualidade espermática, etc.

Em resumo, o tabagismo e o consumo excessivo e/ou crónico de álcool devem ser desencorajados na população em geral (e, em específico, em indivíduos e casais em idade reprodutiva) e devem ser promovidos hábitos de sono saudáveis e estratégias de gestão do stress com o objetivo de preservar a saúde mental e física, incluindo a saúde reprodutiva.

Existem muitas pessoas a desistir dos tratamentos de fertilidade devido ao fardo psicológico envolvido?

Apesar de as hipóteses de conceção serem elevadas para muitos casais em tratamento, bastantes escolhem desistir dos tratamentos antes de atingirem esse objetivo, mesmo quando vários ciclos de tratamento estão incluídos.

O "fardo psicológico" do tratamento de fertilidade é das razões mais referidas para a desistência do tratamento, em qualquer fase do mesmo. A probabilidade de desistência vai aumentando também consoante a duração da infertilidade e o número de insucessos. O sofrimento psicológico causado pelo insucesso do tratamento e a necessidade de tomar decisões para o futuro leva a que muitos pacientes adiem indefinidamente ou desistam dos tratamentos de forma a evitar ainda mais sofrimento. Muitas mulheres consideram a avaliação, o diagnóstico e o tratamento da infertilidade a experiência mais perturbadora das suas vidas e os pacientes em tratamento descrevem consistentemente o processo como um fardo mais psicológico do que físico.

De que forma o acompanhamento psicológico pode ajudar os casais a lidar com a pressão emocional durante este processo?

A intervenção psicológica pode ser uma ferramenta importante para reduzir esse "fardo", diminuir os níveis de stress, ansiedade e depressão associados ao tratamento, promover a saúde mental e, em última análise, para reduzir o risco de desistência (principalmente em casos de insucessos prévios).

Já foram identificados fatores de risco para o desenvolvimento de ansiedade e depressão após insucessos (nomeadamente sensação de desamparo e insatisfação conjugal) e, por outro lado, fatores protetores na mesma situação (como capacidade de aceitação e suporte social) que devem ser tidos em conta no acompanhamento psicológico, de forma a oferecer uma abordagem mais sensível e personalizada, que proteja os pacientes, em geral, e os em risco, em particular.

As estratégias de gestão de stress têm um papel muito importante na saúde mental: estratégias saudáveis como foco na resolução de problemas, uma boa comunicação (principalmente, entre o casal), ter acesso a informação correta e empática, discutir crenças e preocupações relacionadas com o tratamento, envolver plenamente o/a parceiro/a no processo, e procurar suporte social tendem a ter melhores resultados em comparação com estratégias menos saudáveis como autoculpabilização, evitamento e isolamento, que acabam por intensificar o sofrimento emocional.

O acompanhamento psicológico ajuda a “navegar” a turbulência emocional inerente ao tratamento e a pôr em prática as estratégias mais adequadas a cada indivíduo ou casal. Casais em tratamento de fertilidade que optam pelo acompanhamento psicológico (em particular, a Terapia Cognitivo-Comportamental e o Mindfulness) como estratégia de redução e gestão do stress têm menores níveis de ansiedade e depressão e parecem ter uma probabilidade maior de engravidar.

O que ainda falta fazer em Portugal para quebrar o tabu em torno da relação entre saúde mental e infertilidade?

Apesar dos avanços dos últimos anos, a saúde mental é ainda uma área negligenciada em Portugal, além de rodeada de preconceito. Este estigma e falta de investimento limitam o acesso da população a cuidados de saúde mental.

A infertilidade já por si costuma estar associada a sentimentos de vergonha, que podem exacerbar a vergonha geralmente sentida no processo de pedido de ajuda e procura de apoio psicológico. Pessoas que passam pelo diagnóstico de infertilidade podem sentir que falharam numa das principais funções biológicas (a reprodução) e partilhar esse diagnóstico e/ou o processo de tratamento com alguém pode parecer insuportável. O facto de muitas vezes o objetivo do acompanhamento psicológico no âmbito da infertilidade ser pouco claro, pode ser também uma barreira e contribuir para preocupações adicionais (p. ex. “de que vou ter de falar?”, “quanto da minha vida ou do processo vou ter de partilhar?”). É importante esclarecer que o apoio psicológico nesta área tão específica visa ajudar a lidar com as exigências psicológicas do diagnóstico e do tratamento e atenuar o sofrimento associado; apoiar nas tomadas de decisão; ajudar a identificar e aplicar as estratégias de gestão de stress mais adequadas; aumentar a capacidade de resiliência e aceitação (antecipando, por exemplo, possíveis insucessos); criar um espaço seguro onde possam ser partilhados sentimentos, preocupações e crenças sobre o diagnóstico e sobre as várias opções de tratamento; prevenir a desistência, etc.

É fundamental, então, prestar atenção ao impacto que os tratamentos da infertilidade podem ter na saúde mental. Sabemos que o fardo psicológico é um dos motivos principais da desistência dos tratamentos, no entanto, os pacientes que desistem são mais facilmente esquecidos e tem havido poucos esforços para perceber o que realmente os fez desistir e como adaptar o processo de tratamento às suas necessidades.

Devido a este tabu ainda existente, muitos pacientes em tratamento encaram de forma punitiva o encaminhamento por parte dos médicos para um profissional de saúde mental, como se não estivessem a conseguir lidar sozinhos com o seu diagnóstico ou tratamento. Por vezes, a própria crença generalizada de que o stress e a ansiedade são causas diretas da infertilidade pode perpetuar o estigma e aumentar os sentimentos de culpa. Seria certamente benéfico que se passasse a considerar a saúde mental como uma componente integrante do tratamento e não como algo acessório. Tal como a avaliação e o tratamento de uma paciente não estariam completos sem ecografia, os níveis de ansiedade e depressão e as estratégias utilizadas para lidar com o stress também deveriam ser tidos em conta. Se o atendimento integrar a saúde física e a saúde mental, com o objetivo de prestar o serviço mais completo e personalizado, o fardo psicológico associado ao tratamento pode diminuir, o que poderá levar a taxas de sucesso mais elevadas e taxas de abandono mais baixas.

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