Duarte Calado na sua Farnesina.
Design e Artes

Farnesina, o maravilhoso mundo das antiguidades

Mais do uma loja de antiguidades, a Farnesina é um cabinet de curiosités , um recanto de relíquias curado pelo bom gosto de Duarte Calado. Aqui encontram-se tesouros e peças estranhas que fazem brilhar uma casa.

“Ou nasce-se ou não se nasce. O gosto não é genético”, diz-nos Duarte, 32 anos, recostado na sua pequena e peculiar loja na rua das Amoreiras. O seu amor pelas coisas bonitas já se sentia em criança quando a sua família o levava à igreja: “Eu era muito beato e sempre adorei santinhos” ri-se. “Hoje não gosto nada de arte sacra, mas gostava da igreja, arranjada e cheia de antiguidades”, recorda. Claro também nasceu muito observador, curioso e com uma memória invejável, que ele diz ser tipo flash: “Lembro-me onde estavam as coisas todas da casa para onde me mudei aos 17 anos, por exemplo.  Mas não me perguntem nada de carros ou de roupa, só agora soube o que é um Bugatti e foi por causa do Cristiano Ronaldo!”

Aos 18 anos, Duarte começou a introduzir os valores das avaliação de antiguidades no computador e a formalizar o gosto, “a perceber quanto valem as coisas, de que épocas são, etcetera”. Cedo tornou-se auto-didacta e comprador, começara a fazer dinheiro no pequeno restaurante que abriu no Príncipe Real, o D. Quitéria, no lugar de um antigo alfarrabista de esquina: “Fiquei maluco com o espaço, fascinou-me o seu restauro, porque nunca quis ter um restaurante”.

Abriu a Farnesina em março de 2019, inspirado na villa homónima, um palácio em Trastevere, Roma, que é para ele uma referência de bom gosto, da beleza cuidada do passado: “Adoro o antiquário mais antiquário, mas não é viável hoje em dia, os coleccionadores estão a acabar, as casas são mais pequenas e não há tanto dinheiro, por isso só fazia sentido ter uma loja onde todo o tipo de gente entrasse.” E, no seu caso, é mesmo verdade porque recebe desde clientes de 90 anos “que já não compram porque têm a casa cheia, os filhos e os netos não gostam, mas vêm para aqui conversar um bocadinho: ‘Eu tinha igual ou a minha avó tinha igual’”. Até aos miúdos do Liceu Francês que aparecem a espreitar, “é super giro, há um que chega de skate.”

Os grandes compradores são brasileiros, “que gostam muito de antiguidades e investem sem reservas”, mas a maioria são portugueses entre os 30 e os 50 anos, uma geração que parecia ter “quase aversão às antiguidades e às casas cheias de coisas, mas entretanto percebemos que as casas todas iguais e todas brancas são um bocado frias e precisam de personalidade. Cansámo-nos da casa IKEA, o barato dura 10 anos. Não existe coisa mais ecológica do que comprar antiguidades.”

Ao contrário da moda dos antiquários todos “brancos e com uma cadeira iluminada”, como se vêem em França, Itália ou Espanha, “é mais bonito, mas também muito óbvio, é Instagram”, a Farnesina está cheia de coisas, o que a torna aconchegante e, como numa loja de curiosidades, vamos descobrindo achados escondidos atrás de outros. Depois, é um espaço que se vai recriando, estava lilás quando fizemos esta entrevista, mas já esteve encarnada, e as peças lá dentro não chegam a ganhar pó, são mudadas constantemente, o que Duarte chama de “o meu décor”, umas saem para as outras poderem entrar. E por ser toda em vidro, quando está em mudanças ou Duarte está à porta a limpar as peças “é quando as pessoas querem entrar, aquela ideia de que chegaram as novidades, sabes? Eu gosto disso!”.

A Farnesina “é para pessoas que não querem o óbvio”, afirma Duarte sem pestanejar. E é fácil perceber porquê, todas as suas peças são escolhidas a dedo, pela sua História e pelas suas histórias, que podem remontar ao século XVIII.  Já passou por aqui uma cadeira que pertenceu à musa de Yves Saint Laurent e agora estava exposta uma pequena mesa da coleção para casa de Christian Dior, dos anos 70, por exemplo, mas também se encontram cadeiras vindas do Hotel Costes de Paris, animais empalhados, um cadeirão pós-moderno feito de fibras naturais que transbordam das suas linhas depuradas, um aparador desenhado por Pedro Espírito Santo ou obras de Teresa Lacerda, que a gentrificação despejou do Bairro Alto 53 anos depois de abrir a sua loja.

Duarte traz peças de todo o lado, de Espanha, Itália, França, de lojas de antiguidades com quem troca uma cómoda portuguesa por uma da Provença, por exemplo: “Não gosto de comprar a privados porque as pessoas não têm noção do valor das coisas, estão habituadas a viver com elas, é muito difícil negociar com sentimentos”. Mais recentemente acontece ligarem-lhe “pessoas que têm coisas estranhas, comecei a ficar conhecido por ter coisas estranhas”, sorri, que pode ser uma vértebra de baleia transformada em banco ou um carrinho de bebé vitoriano com travões, “podias andar com ele”. 

Orgulha-se de ter muitas peças acessíveis, a 300 e 400 euros, “gosto de ser barato, porque gosto muito de comprar; se não vendes, não mudas. E há tanta coisa gira para comprar. Antigamente os antiquários compravam uma colecção e uma peça fazia-lhe o ano, mas já não existem. E eu acho isso uma seca.” Hoje em dia, as pessoas podem focar-se numa peça que “às vezes não é mais cara do que o frigorífico”, ser excêntricas como a maioria dos clientes Farnesina, “o louco que compra porque gosta e não porque precisa”.

Muitas vezes acompanha as peças que vende e os clientes ficam seus amigos. Conta como o entusiasmaram nove painéis enormes, de três por quatro metros, com macacos eróticos pintados por Jean Baptiste Pillement, pintor e decorador do século XVIII, retirados de uma casa que foi demolida na terra onde o artista viveu toda a sua vida, em Lyon. Duarte levou-os a um jovem casal que adquirira um palácio do século XVI na Rua de Buenos Aires, em Lisboa, “daqueles com muitas salas gigantes e pratos Companhia das Índias embutidos nos tectos, mas que foi a antiga sede da CGTP”, descreve. Foi lá almoçar um dia e visualizou logo as peças nas paredes e enviou-as sem custos. “Um dia venderam a casa por milhões também por causa daqueles macacos, parecia que o Pillement tinha lá estado a pintá-los! Toda a gente ficou feliz.”

Já teve pena de se separar de algumas peças, claro. Recorda uma mesa gigante cujos pés eram uns golfinhos em bronze ou um óleo francês do século XIX, um jogo da cabra cega “com a meninas todas vestidas de corte”, que vendeu a um amigo para uma casa no Douro. “Custou-me”, confessa. “Mas não podes guardar tudo o que é bom e bonito, não é?” Mais do vender, Duarte gosta mesmo é de descobrir e comprar: ”No fundo, quero comprar as peças para mim.” Pausa. “Mas se a pessoa for gira e com pinta, adoro vender!”, solta uma gargalhada. Mas, sublinha, de uma maneira geral, “se mostrares uma loucura, as pessoas compram.”

Rua das Amoreiras, 72B, 1250-024 Lisboa.

 

 

 

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