Eunice Maia, fundadora da Maria Granel distinguida nos prémios The Rose Project da Häagen-Dazs | Fotografia: David Oliveira
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Eunice Maia: "Não queremos que o plástico desapareça do dia a dia"

Sustentabilidade não é demonizar o plástico. Não é ser vegetariano. É mais do que isso. Em entrevista à recente premiada e fundadora da Maria Granel, tudo o que temos a aprender.

Entre 2013 e 2024, já lá vão 11 anos. Em 12 anos, muita coisa mudou no que diz respeito à sustentabilidade: passámos a estar mais alerta enquanto consumidores para o descarte e a utilização consciente de água, as marcas passaram a incluir a palavra sustentabilidade (ainda que por vezes de forma duvidosa) nos lançamentos da beleza à moda e os governos e autarquias foram criando medidas que não sendo suficientes são um passo para um planeta melhor, como o fim das embalagens plásticas descartáveis ou a distribuição de compostores domésticos. 

Nestes 12 anos, houve também um nome que se tornou sinónimo de sustentabilidade em Portugal: Maria Granel. É um projeto que começou a ser idealizado em 2013 por Eunice Maia e pelo marido, Eduardo Melo, e que se materializou em 2015 com uma mercearia biológica Zero Waste localizada no bairro de Alvalade, em Lisboa. Desde então, Eunice Maia tem sido a voz do zero wast, isto é, do desperdício zero, e do granel, que está mais presente na nossa vida do que pensamos. 

O trabalho feito ao longo de anos foi recentemente reconhecido no Häagen-Dazs ’The Rose Project’, tendo Eunice Maia sido uma das cinco vencedoras e a única europeia pelo projeto Maria Granel, com direito a uma bolsa no valor de 100 mil dólares (quase 100 mil euros). Esta iniciativa distingue mulheres desconhecidas pioneiras e empreendedoras, tal como foi a co-fundadora da marca de geIados, Rose Mattus, em 1960 em Nova Iorque. 

Este novo feito, assim como o percurso até ele chegar e as perspetivas para o futuro são os temas da entrevista da VERSA a Eunice Maia. 

Ainda se lembra do dia em que teve a ideia de criar a Maria Granel?

Curiosamente, a ideia de criar a Maria Granel não foi minha... foi do meu marido, que é economista e trabalhou durante largos anos, enquanto consultor, em projetos que também incluíam o retalho alimentar. O impulso surgiu em 2013, após ter detetado uma necessidade no mercado: já havia na altura supermercados biológicos e também supermercados com secções de granel, mas não havia nenhum conceito especializado dedicado 100% ao granel biológico. E transformou-se num sonho vivido a dois, uma forma de ambos regressarmos às nossas origens (eu, minhota; ele, açoriano) e trazer para perto de nós, em Lisboa, o campo e a natureza, homenageando as antigas mercearias, resgatando-as do passado e revestindo-as de uma missão comprometida com o futuro.

Qual é a sensação de ser a única vencedora na Europa num projecto que englobou 2.500 mulheres inscritas?

É uma honra enorme estar entre tantas mulheres inspiradoras de todo o mundo. Estou profundamente feliz e muito reconhecida.

Sente que foi das principais responsáveis pela forma como se pratica e pensa a sustentabilidade atualmente?

Não, de todo. Mas gosto de pensar que, à nossa pequenina escala, o nosso projeto contribuiu para formar comunidade em torno da transição ecológica e que terá inspirado muitas pessoas a adotar gestos de mudança na sua vida, a começar pelo granel e pelos 'R', como Recusar, Reutilizar, Reduzir.

Fazendo uma reflexão sobre o seu conhecimento sobre sustentabilidade entre a altura em que criou a Maria Granel e hoje, sente que tinha ainda muito para aprender ou mais para ensinar levando a cabo a missão do projeto?

Nada na minha vida dava a entender que eu viesse a ter um projeto comprometido com a redução do desperdício e que atuasse na área da sustentabilidade ambiental e social. A minha formação foi sempre dedicada ao ensino (sou professora de Português e de Literatura Portuguesa) e à investigação em literatura portuguesa. E o meu trajeto, apesar das minhas raízes profundamente ligadas à terra (venho de longas gerações de lavradores), foi marcado por um consumismo atroz. Eu não tinha qualquer consciência ambiental, bem pelo contrário. Foi graças a este projeto, às pessoas que conheci, e destaco a inspiração de Bea Johnson e Ana Pêgo, que o meu despertar aconteceu. Ao contrário do que costuma acontecer, não foi a minha vida que influenciou o meu negócio; foi o meu negócio e a sua missão que revolucionaram a minha vida. E, por isso, tinha e tenho muito para aprender nesta área, o que me levou, por exemplo, a querer aprofundar e adquirir mais conhecimento, através de uma pós-graduação em gestão da sustentabilidade, mas também a integrar comunidades com princípios e valores idênticos (Liga-ação), MICA (rede de mulheres com projetos na economia circular), etc.

Por outro lado, senti que as minhas duas paixões se fundiram e que a minha formação em ensino se uniu à vontade de levar a mensagem de redução de desperdício a mais pessoas, através da criação do nosso programa educativo ambiental, o Programa (Z)hero, em que colaboramos com empresas e escolas para diagnosticar, reduzir e monitorizar o desperdício.

 

Na sua opinião, por que razão não há mais a comprar a granel?

Há muitas pessoas a comprar a granel. Muitas vezes nem temos consciência, mas o granel está em todo o lado: na banca dos frescos, legumes, fruta, na loja das gomas, na mercearia da rua com os cestos de leguminosas, na charcutaria e peixaria. O que poderia acontecer mais é um granel associado à reutilização de embalagens, aí sim, tenho de concordar que precisamos de mais pessoas a comprar a granel reutilizando os seus próprios sacos e recipientes. Esse hábito talvez não esteja ainda tão generalizado porque implica mais planificação, não é tão conveniente como pegar numa embalagem.

Mas tenho esperança e, em dez anos de mercado, já vi muitas mudanças acontecerem. A mais relevante foi, sem dúvida, a passagem para a legislação nacional da diretiva europeia sobre os plásticos descartáveis e a consagração como direito do consumidor, precisamente, de poder usar os seus próprios recipientes nas superfícies comerciais. Esta é também uma resposta para a sua pergunta: enquanto a regulação e a política governativa não enquadrarem legalmente as mudanças, as alternativas, os gestos de ação climática, essa mesma mudança será muito mais lenta e muito menos acessível.

 

Sendo uma mercearia biológica Zero Waste, considera que num futuro próximo conseguiremos retirar o plástico do nosso dia a dia?

Como projeto, não demonizamos o plástico, ele tem um papel fundamental inclusivamente quando falamos de prevenção do desperdício alimentar, segurança alimentar, acondicionamento. O que para nós não faz qualquer sentido é o recurso à sua utilização desnecessária ou excessiva, mais ainda, quando há alternativas viáveis e/ou que façam mais sentido de um ponto de vista de análise de ciclo de vida. Não queremos que o plástico desapareça do nosso dia a dia; queremos que os objetos feitos desse material tenham um design inteligente, pensando a sua durabilidade e reutilização e valorização, e não no seu fim imediato e descartabilidade.

Já tem destino para o prémio monetário?

Este prémio monetário dá-nos a possibilidade de gerar mais impacto.

O nosso projeto, além do impacto positivo ambiental que procura gerar, atuando na promoção de modos de produção mais sustentáveis (agricultura biológica - os nossos produtos alimentares são biológicos certificados e as nossas lojas também), na prevenção da produção de resíduos e no combate ao desperdício alimentar, através do granel e da reutilização de embalagens; pretende ampliar a sua dimensão social. Até agora, desde 2019, trabalhámos sobretudo com comunidades escolares, no nosso Programa (Z)Hero, para diagnosticar, monitorizar e reduzir o seu desperdício. A nossa intenção é criar uma academia que permita escalar e levar este programa a mais escolas e a mais pessoas, assim como dar formação a mulheres que pretendam criar o seu próprio negócio ou projeto nesta área de atuação (consumo consciente, prevenção de produção de resíduos, combate ao desperdício alimentar).

Além disso, para nós, é fundamental medir e comunicar com transparência o nosso impacto, pelo que investiremos numa certificação internacional para o realizar, de forma isenta e seguindo “frameworks” de referência. Nesse processo será também garantida formação interna à nossa equipa, constituída por mulheres, para que desenvolvam competências e adquiram conhecimento em diferentes vertentes dentro da sustentabilidade.

Que planos tem para o futuro da Maria Granel e que planos/ ambições tem a Eunice Maia?

Gostava muito de ver a nossa marca noutros pontos do país. Temos esse plano, mas, neste momento, e tendo consciência da retração do consumo e do contexto que vivemos, esse passo tem de ser avaliado com muita prudência. Estamos a construir uma outra área de negócio, nos Açores, dedicada ao turismo sustentável - esse é o nosso próximo sonho!

Pessoalmente, quero muito ajudar outras mulheres, partilhando a minha experiência, a criar o seu próprio negócio de impacto.

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