Por onde começar a conVERSA com uma das mais brilhantes Trend Forecaster, alguém que vive o futuro no presente, antecipando tendências que, como a própria reconhece, são “grandes ideias no momento errado". Marian Salzman está uns bons anos à frente da grande maioria de nós, e esse “timing errado” é o tempo que leva as tendências, que identifica e publica nos livros e relatórios anuais, a manifestarem-se em novos comportamentos percebidos na sociedade e em realidades reais no mundo. É a linha temporal entre uma tendência emergente até à sua passagem a paradigma. E a conVERSA começa. Nessa (boa) indifinição. Sobre por onde começar.
“Não deves confiar em mim como trend spotter se queres uma tendência para amanhã”, diz, sem drama, sobre o drama de ser uma futurista. “Trabalhei na Levi´s e no final dos anos 1980 já achava que os modelos mais antigos seriam os mais procurados, como vemos agora. Estava convencida que o mundo ia estar todo on-line em 1993, esperei até 1999 para perceber que tinha razão. Aos 19 anos, achei que teria um frigorífico inteligente e só hoje temos frigoríficos semi-inteligentes. No início dos anos 2000, escrevi sobre assistentes virtuais, a Siri surgiu em 2011”. Não há arrogância, pretensão ou vaidade. Na verdade, Marian Salzman não precisa. E, em boa verdade, acho que é o que a menos preocupa na vida, depois dos recentes quatro ciclos de quimioterapia de que fala com a mesma abertura.
Já a definiram como uma loura poderosa e carismática em Nova Iorque (um cruzamento entre Carrie Bradshaw e Hillary Clinton), “há a ideia que os spotters de tendências são sempre extravagantes e eu sou muito normal, igual a qualquer outra pessoa, nunca usei roupa provocante, acho que facilitou a minha carreira no mundo corporativo. Chego num contexto e nos dias em que eram os executivos, todos homens, a comprar os meus insights”. E os seus insights ajudam grandes marcas e empresas a antecipar o futuro, a liderar, a ter uma visão estratégica e sempre à frente da concorrência, o que fez na Nike, na Levi Strauss, na Pizza Hut, na Reckitt Benckiser ou na Estée Lauder. E depois no mundo da comunicação, onde chegou a CEO da Havas PR North America. Hoje, é Senior Vice President, Global Communications na Philip Morris International (PMI), onde trabalha na construção de um futuro sem fumo.
Numa versão mais pop, se quisermos, é também conhecida por em 2003 ter apresentado ao mundo a tendência a que chamou “metrossexualidade”, um relatório que provocou um frenesim global nos media e se tornou “Word of the Year”. Mas, já em 2023, diz-nos que é o momento de "Rethinking Everything" e repete-se, claramente com intenção, sobre o mundo em transformação. “O mundo está a viver uma transformação a um ritmo tão acelerado que, se quisermos ser relevantes, temos que nos adaptar à mudança, ou ficamos numa posição terrível onde não temos lugar ou não sabemos qual o nosso lugar. Neste mundo o relógio funciona 24horas, cada um escolhe a que horas quer fazer o quê, se trabalha durante o dia ou à noite, se dorme de manhã ou à tarde. Já não é o mesmo mundo que tivémos no ano passado, o meu último livro ficou desatualizado em 11 meses, não previ o conflito Rússia-Ucrânia”.
E repensar tudo é mesmo repensar tudo. “Tinhamos barreiras e distinguiamos amigos e família, casa e escritório, educação e entretenimento, luxo e high street, hoje está tudo misturado. A familía de sangue é apenas uma dimensão da nossa família, quando estudo espero ser também entretida, viamos um vegetariano como diferente e com uma declaração política, mas agora como alguém que escolheu apenas um estilo de vida mais saudável, uma carreira de sucesso media-se pelo tamanho da nossa sala na empresa, eu tenho sala na PMI, mas com uma manta para quando quero fazer uma sesta. Tudo isto pode ser avassalador”. A única coisa que não mudou neste mundo em transformação foram “os diferentes fusos horários entre os países, tudo o resto mudou”.
O Futuro. O vício no TikTok. As novas Tendências.
A meio da conVERSA, um disclaimer: “Sou viciada no TikTok. É uma das maiores queixas da minha família, não tenho outros vícios, mas estou sempre a ver vídeos no TikTok”. Confesso que essa imagem de Marian Salzman nunca me tinha ocorrido, mas como a própria diz, é aceitar que o mundo está em transformação. “Hoje vi no TikTok um vídeo que dizia que a meia idade não deveria ser considerada os 50 anos, porque as pessoas não vivem até aos 100. Mas, se dissermos que a meia idade são os 36 anos, entramos em choque”.
E voltamos ao momento de “Rethinking Everything”. Com que idade hoje somos velhos (Marian dá-nos exemplos como os candidatos à presidência norte-americana e os protestos em França sobre a idade de reforma…); até quando teremos problemas de obesidade “com todas as soluções farmacológicas introduzidas no mercado e as revistas de lifetsyle com histórias sobre as celebridades que usam medicamentos para a diabetes”; ou onde fica o “Just Say No” de Nancy Reagan, com a cannabis a ser vendida “de forma legal e em lojas sofisticadas, quase como se entrássemos numa loja da Apple”. É convicta de que tudo mudou e vai continuar a mudar. “O nosso CEO global disse-me há umas semanas que os cigarros vão acabar num museu. Acredito e espero que seja ainda durante a minha vida. E sou do tempo das grandes polémicas, e mesmo nunca tendo fumado, nas agências de publicidade acabava sempre por me juntar aos diretores criativos que fumavam, fumar era toda uma imagem cool”.
O alto nível de polarização do mundo é uma das tendências que destaca na atualidade. “Tornámo-nos binários em absolutamente tudo. Ou sou a favor ou sou contra. Ou estou ao teu lado ou contra ti. Ou fazes parte do meu grupo ou rejeito-te. Há raiva, tensão, o efeito Covid só piorou a situação, as pessoas perderam um pouco da civilidade e algumas das suas habilidades sociais”. Entre a polarização e a antiglobalização, Marian procura uma mensagem positiva, “as pessoas sentem-se hiperlocais, têm orgulho da sua comunidade, da sua cidade. A parte negativa é que não estamos a ser criados para ser os bons globalistas que fomos, como eu fui criada”.
Nesta passagem por Portugal, onde foi uma das oradoras do QSP Summit e falou em exclusivo com a VERSA, a futurista fala da tecnologia como “o nosso sangue”, presente em tudo. “A tecnologia está a mudar a forma como se pode engravidar, como as pessoas se curam com tratamentos hiper direcionados, se não fosse a tecnologia com o tipo de cancro que tive não teria sobrevivido. E até numa perspetiva menos científica, basta olhar para a forma como transformou a moda com sites inteligentes que nos dizem exatamente o que comprar com níveis de personalização incriveis”.
O que a está a revolucionar e o que a mais entusiasma em termos de futuro é a Inteligência Artificial (IA). “Há duas maneiras de olhar para a IA, se vai ou não me substituir? Para mim, só nos vai engrandecer. Vai ajudar-nos a compilar informação sobre absolutamente tudo, teremos toda a informação o que nos dá mais tempo para ser criativos. Sou uma crente na IA e é das poucas coisas que me leva a desejar ter menos 25 anos do que tenho. Iria usar a IA como ferramenta para criar a pessoa perfeita – marcas pessoais perfeitamente imperfeitas, e descobrir como posso encontrar o melhor de cada pessoa e ajudar a melhorar o que ela é”.
E antecipando aquilo que fará parte do seu próximo relatório de tendências, desvendando os temas que trabalha na atualidade, Marian deixa duas futuras realidades que já observa. “Uma delas é controversa e acredito que não a querem ouvir, mas a formação universitária tal como a conhecemos vai sofrer uma grande transformação. As universidades vão deixar de ser instituições onde passamos três ou quatro anos, a formação será muito mais à la carte, vamos entrar mais tarde e não aos 18 anos, porque sentimos que ainda não vivemos e experiementámos nada na vida, o que irá impactar todas as dimensões futuras das nossas vidas. As pessoas estão preocupadas com carros autónomos, eu estaria mais preocupada com o fim do ensino superior tal como o conhecemos e a reinvenção e transformação da vida em direção à aprendizagem ao longo da vida”.
Mudanças sísmicas, como lhes chama, e onde a moda também é um tema a que está atenta às tendências emergentes. “Estamos obcecados com a descartibilidade da moda e, quando vemos marcas como a ba&sh a vender roupa usada, vamos começar a olhar para o guarda-roupa uns dos outros como um lugar onde podemos ir às compras. A ba&sh, com moda aspiracional, vem normalizar esta ideia, e vai levar-nos a repensar a compra".
E, afinal, a dificuldade não está por onde começar a conVERSA com Marian Salzman. Mas, antes, onde a terminar. Talvez por aqui. Depois desta (boa) definição do mundo.