Lion of Porches X Paatiff | Fotografia: Ugo Camera
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Inteligência Artificial na moda: "Deixa-nos mais humanos até"

A Lion of Porches e a paatiff acabam de apresentar a nova coleção gerada por Inteligência Artificial (IA). Será esta ferramenta um desafio à criatividade? Questionámos o designer José Sobral.

Inteligência Artificial (IA) ainda é algo que nos assusta. Não a tecnologia em si, mas o facto de não a conhecermos bem e não sabermos do que será capaz no futuro. Será uma ameaça à mão humana? Deixarão de existir mentes criativas ao deixar que a IA nos mostre outros caminhos?

Estas são algumas das questões que surgem quando se fala de IA na moda, principalmente quando há uma nova coleção gerada por esta ferramenta. Falamos da colaboração entre a Lion of Porches e a paatiff, marca do designer José Sobral, vencedor da 1.ª edição da AI Fashion Week, que foi levada para a 62.º edição da ModaLisboa

Mas numa edição em que o tema é "For Good", pode uma ferramenta representar o mal? Questionámos o designer responsável pela paatiff, afinal, é o responsável por usar esta ferramenta da IA numa coleção poética, dominada pelo denim e por uma cor que é comum às marcas que se juntaram para criar peças ready to wear, inspiradas no ambiente dos caminhos de ferro e no quotidiano das viagens pendulares.

Como surgiu a oportunidade de colaborar com a Lion?

Isto foi tudo muito rápido. Estive em Los Angeles no verão passado a lançar uma coleção com a Revolve,
depois de ter ganho um concurso na primeira AI Fashion Week, e num espaço de meses a Lion entrou em contacto comigo. Achei incrível poder voltar a Portugal, trabalhar aqui, poder lançar uma coleção cá. Acaba por ser um sonho de criança isto de fazer moda e começar em Portugal.

Encontrar depois estes pontos de equilíbrio entre a minha estética e a estética da Lion foi o mais importante para isso. Foi Inteligência Artificial, muito trabalho humano, da ideia do início até ao final. 

Como é que se cria uma coleção a partir de Inteligência Artificial?

Temos várias formas de olhar para como é que se utiliza a Inteligência Artificial. Neste caso, foi de visualização, ou seja, nós utilizámos a inteligência artificial mais para visualizar as minhas ideias do que propriamente para gerar as próprias ideias. 

Ou seja, a ideia é humana, fruto de reuniões minhas com a equipa da Lion e depois as nossas ideias começam a convergir e começamos a visualizá-las. Este mundo virtual em que hoje se torna tudo mais giro, porque conseguimos tocar nas peças, foi apresentado na última ModaLisboa.

Então, desmistificando, a Inteligência Artificial não substitui a criatividade humana?

Não. É uma ferramenta que ajuda os criativos e que nos deixa mais humanos até. Há muitas tarefas robotizadas, não só na parte de criação de moda, que acabam por acelerar os processos e deixar-nos a nós, humanos, a pensar, enquanto eles juntam as bases de dados e formulam tudo. Há sempre o bom e o mau, mas eu vejo isto como uma ferramenta. 

Em todo o processo criativo com IA, o que é que mais o entusiasma? 

É ver a peça a ganhar vida. É passar de ver a peça num modelo virtual e vê-la transformar-se num modelo físico. Essa é a parte mais mágica.

Temos a tendência a achar que a tecnologia é perfeita. Mas a IA também pode errar? 

De forma a simplificar, quando há erros são, na verdade, outliers. O que é que são outliers? São desvios num modelo estatístico. A máquina não se engana, ou seja, eu é que posso enganar-me quando falo com uma máquina e a máquina percebe outra coisa.

O erro não é da máquina, o erro é humano, mas esse erro de comunicação faz de nós também mais humanos e faz aquele trabalho com a máquina uma descoberta. Descobrirmos a nossa linguagem, como é que a IA nos interpreta. No fundo, a próxima linguagem de código é a nossa. Passamos a ter que trabalhar mais o nosso português, o nosso inglês e a maneira como nos exprimimos, porque a máquina é muito objetiva e não lê nas entrelinhas.

Ainda que vejamos a tecnologia como uma forma de sustentabilidade na moda, fala-se em lixo virtual. O que é isto?

O lixo virtual não polui tanto como o lixo físico. Mas o que é o lixo virtual? Vamos pegar numa peça como exemplo: um bomber denim. Para chegar àquele bomber e afinar todos os detalhes, criei centenas de bombers, mas estes bombers foram virtuais. Ou seja, conseguimos aprimorar a forma final e quase chegar a um nível em que é usável, devido à entrada de Inteligência Artificial, do Clou 3D (programa de fashion design virtual) ou de outra ferramenta. Este processo de trabalharmos no virtual, na parte da concepção, permite-nos fazer todas as brincadeiras e no final o ajuste já é da parte humana.  

Esquecendo a tecnologia. Há alguma tendência em destaque na sua colecção? 

Não sei... O vermelho foi um bocado fruto da minha ligação com a Lion. Depois também estudámos quais os materiais com que conseguíamos fazer uma linguagem contínua, sem grandes desperdícios, sem variarmos muito para materiais diferentes, e eu queria um material durável.

Já na minha outra colecção, trabalhei PVC (policloreto de vinila), que não é um material que soa sustentável, mas aqui trabalhamos pela durabilidade, ou seja, é uma sustentabilidade da arquitetura, que é a minha base. Em vez de termos um edifício de betão com uma parede verde e fazer assim um greenwashing, temos um edifício de pedra que vai durar mais anos. Como o nosso objectivo era ter workwear durável, optámos pela ganga, por ser mais pesada, e o vermelho entra como uma cor de conjugação, que fez sentido.

Depois, temos algumas alusões de poemas, que já é uma performance.

Os poemas foram escritos por si?

Estes poemas… vamos deixar isso assim no ar. Eles são uma resposta a uma coleção de um grande designer, Junya Watanabe, que desenhou a primeira coleção para homem, e esta é a minha primeira coleção de homem, no mesmo ano em que o Lion of Porches nasce.

Ele escreveu uns poemas de amor e eu aqui faço uma resposta aos poemas dele e deixo a mensagem de que devemos começar a escrever poemas de amor antes que a IA escreva por nós. Ou seja, eu pego um bocadinho dos dois lados da balança: uso a IA como ferramenta, mas também tento dizer que não é tudo.

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