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Vamos transformar a crise atual numa oportunidade para o setor da moda em Portugal?

A opinião de Ana Roncha, Fashion Marketing Strategist e Codiretora do programa executivo Global Fashion Business, da Porto Business School

As alturas de crise devem sempre ser encaradas como períodos de oportunidades e, é neste contexto, que devemos analisar o que pode ser uma alavanca para Portugal se afirmar, ainda, e cada vez mais, como um player relevante na indústria de moda global.

Nesta fase de pós-pandemia e conflito internacional, caracterizada por um clima de incerteza, desaceleração do consumo e apreensão global, com uma redução das vendas nos mercados globais de 15% a 20%, a recuperação dos próximos anos antevê-se lenta e pautada pela crescente digitalização do setor moda.

Afigura-se, assim, urgente a necessidade de adaptação a novos cenários. Por onde passa, então, o sucesso desta indústria?

Manter o foco constante no consumidor

Marcas e entidades que consigam entender o consumidor na sua totalidade, compreender as mudanças a que estão expostas e as forças que as acentuam, nomeadamente demográficas, económicas e sociais, serão aquelas que mais facilmente vingarão.

Este foco permitirá também reconhecer que o consumidor atual é mais conectado e informado, o que incorpora uma responsabilidade acrescida por parte das marcas, especialmente ao nível do propósito social e das questões ligadas à inclusão e diversidade.

Em paralelo, observamos uma crescente consciencialização dos consumidores relativamente à sustentabilidade, que é cada vez mais um imperativo numa indústria que vive dividida entre “greenwashing” e ativismo.

A crise que se adivinha vai acentuar ainda mais a forma como lidamos com a moda. Consumir menos, com mais qualidade, prolongar o ciclo de vida do produto passam a ser opções cada vez mais correntes e necessárias.

Rever o modelo de negócio e adotar modelos mais ágeis, inovadores e diferenciados, como o resale ou repair, são, hoje, preocupações constantes de grandes marcas.

Além disso, a crescente migração global surge como consequência do mundo interconectado em que vivemos. Isto leva a que os países que acolhem estas comunidades sejam cada vez mais diversos em termos de etnias, línguas e culturas. Estes consumidores multiculturais irão tornar-se cada vez mais importantes a nível global e levam a mudanças de lifestyle e hábitos que deverão ser antecipadas pelas marcas como forma de potenciar negócios futuros.

Investir em novas tecnologias

Independentemente da categoria de produto em que nos concentremos, existe uma necessidade crescente de investir em tecnologia e adquirir novas competências que permitam a oferta de produtos, serviços e/ou experiências mais imersivas.

Estima-se que em 2040, 99.3% da população mundial tenha um smartphone e o use para variadas finalidades, sejam comerciais ou de entretenimento. Isto traz oportunidades a uma escala global, mas também a consciencialização de que o investimento na digitalização – no seu sentido mais lato - deverá ser uma constante.

A área intitulada de fashtech (intersecção de fashion e technology) assume-se como uma disrupção das operações tradicionais dentro da indústria da moda e combina variadas áreas como: AI, 3D, blockchain, AR & VR, IoT.

É sobretudo aqui que Portugal pode assumir uma vantagem competitiva acrescida, fruto do foco e expertise do país nesta disciplina. Como exemplo, o Porto é, neste momento, o terceiro tech hub com crescimento mais rápido na Europa, com número de start-ups per capita 20% superior à média europeia e a cidade que concentra 19% das start-ups e scale-ups portuguesas.

Tirar partido deste ecossistema é urgente e deverá ser feito de forma estratégica e concertada.  A ligação da tecnologia com a indústria da moda estende-se às mais variadas etapas da cadeia de valor - produção, I&D, operações, marketing e comunicação.

O peso crescente dos canais digitais, visível através do crescimento do m-commerce ou s-commerce e de ferramentas como livestreaming potenciam a inovação nos canais de distribuição e, acima de tudo, a relação de fidelização que se pretende estabelecer entre marcas e consumidores.

Vivemos numa dicotomia entre o mundo físico e o mundo virtual, assistimos ao emergir de conceitos como “retailtainment”, “shoptainment” ou “tech-gagement”, que espelham a fusão do físico e do digital, numa omnicanalidade cada vez mais esperada e exigida.

As lojas (físicas) do futuro serão mais pequenas, mais impactantes e relevantes no dia a dia do consumidor e serão, acima de tudo, um espaço de criação de conteúdos onde se pretende comunicar valores e facilitar a vivência de experiências.

No digital, o metaverse é cada vez mais corrente. Este conceito, que inclui uma variedade de plataformas, como Roblox, Fortnite ou Decentraland, tornou-se no novo shopping, um ponto de encontro onde vivemos uma versão alargada (e por vezes bem distinta) da nossa identidade física.

A indústria da moda, outrora lenta a adotar e-commerce e estratégias digitais, tem-se assumido como uma das principais a investir no metaverse. Marcas de luxo e outras mais mainstream assumiram este canal digital como mais um touchpoint na relação consumidor-marca, através do lançamento de edições limitadas de moda digital, colaborações exclusivas, realização de eventos, NFTs e, até, avatars personalizados.

Não considero que o COVID tenha sido o único potenciador da realidade em que vivemos. Estas tendências já se vinham a notar há alguns anos e a nossa sofisticação, enquanto consumidores, fruto da globalização e acesso generalizado às redes sociais, tornou-nos também muito mais exigentes.

Sabemos mais sobre as marcas, interagimos mais com elas e, por isso, responsabilizamo-las mais.

A relevância cultural das marcas é cada vez mais uma métrica de sucesso. Cada vez mais se assumem como plataformas coletivas, tentando equilibrar estratégias de mercado com inputs culturais e procurando criar impacto fora do âmbito comercial. Procura-se, cada vez mais, redefinir o que significa ser uma marca de moda, ser global ou local, digital ou física.

É neste contexto de redefinição, de abertura a novas geografias, da multidisciplinariedade, na fusão da tecnologia com moda, que encontramos variadas oportunidades para o ecossistema da moda em Portugal.

Faltam algumas competências? Talvez, mas mais no âmbito das soft skills do que nas hard skills. Falta sobretudo entender os benefícios que a colaboração e o networking podem trazer a esta indústria, quebrar silos e promover a ligação entre start-ups, marcas estabelecidas, indústria e academia enquanto vetores essenciais da inovação e de futuro.

The smallest company in the world can look as large as the largest company on the web. Steve Jobs

Na verdade, numa indústria de moda global, não é a escala do país que determina o sucesso, mas sim o foco concertado de estratégias de inovação para o setor, com capacidade de gerar impacto a longo prazo.

Acima de tudo, a grande oportunidade para o mercado de moda em Portugal é a consciencialização da importância desta indústria para a economia nacional, muito para além da sua capacidade industrial, e o entender desta indústria como geradora de valor. A oportunidade é assim, acima de tudo, cultural.

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