A performance de Guto Carvalhoneto
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O que tenho a dizer (sem saber o que dizer) sobre as Semanas de Moda

O mundo já não é o mesmo da estação passada. Está menos utópico. E mais distópico. Tornou-se um palco para mostrar quem tem mais dinheiro, condenando o que tem de realmente valioso – a criatividade.

Antes do início da pandemia, um grande amigo esteve na Semana de Moda de Paris e assistiu a vários desfiles de grandes Casas. Um designer de moda brasileiro, Guto Carvalhoneto, é daqueles que possui talentos raros na sua arte, na forma como a manifesta, mas também na sensibilidade de ler o que ainda não está escrito. Atento ao mundo, mas fora das agendas industrialmente mediáticas.

Disse-me, quando regressou, num atordoamento de desilusão, qualquer coisa como “a moda já não é isto”. E com “isto”, referia-se ao espetáculo, ao mediatismo das celebridades (umas mais, outras menos influentes) que roubam as atenções e se sobrepõem às coleções. Mas a culpa “disto” é das próprias marcas, da indústria que hoje vive de diretores criativos semelhantes a rock star's, e sem “isto” a moda não (sobre)vive. Pelo menos, assim parece. E foi longa a nossa reflexão. Anos depois, sem grande explicação, voltámos a ela num longo telefonema de um lado para o outro do Atlântico.

Não retiro valor às criações que vimos nas últimas semanas a desfilar em Nova Iorque, Paris ou Milão. Coleções absolutamente incríveis. Nem tão pouco quero tirar importância às Semanas de Moda, o grande happening da indústria:  investe-se milhões em verdadeiros espetáculos, neste que é o principal momento de comunicação das grandes marcas de moda. Acredito que a moda também é isto. O sonho de fazer sonhar. Em grande. And the show must go on…, nada contra.

Mas, apesar de tudo o que vi, o que me fica é pouco. Talvez seja só eu. Ficam-me Kardashians, ficam-me Beckhams, ficam-me supermodelos que regressam como endorse de marcas que parecem não encontrar novos modelos de negócio. E fiquei cansada. Dessa overdose. E, sim, confesso, faz-me falta Alexander Mcqueen; faz-me falta Vivienne Westwood.

Quando decidi estudar no Central Saint Martins, em Londres, a escola de onde saíram nomes com Mcqueen, Stella McCartney, Riccardo Tisci, John Galliano, Phoebo Philo, entre tantos outros grandes, já tinha a convicção de que a moda está permanentemente atenta e que tem uma voz sobre o mundo. E que, melhor do que qualquer outra indústria, sabe ler os tempos. Os que passámos. Os que vivemos. Os que estão para vir. E só ela tem essa sensibilidade criativa, de interpretar, de imaginar, de inspirar e de contaminar as outras indústrias, como nenhuma outra sabe.

Acredito que vivemos tempos absolutamente incríveis. Tecnologicamente falando. Tempos de oportunidades. Ainda que a moda continue a impor e a fazer ouvir a sua voz em cada desfile a que assistimos, fica também uma estranha sensação de que, por vezes, o espetáculo sobrepõe-se à roupa, ou é quase como se a roupa já tivesse dito tudo. Estando a moda cada vez mais próxima de manifestações artísticas, nesse palco privilegiado, parece desatenta e perde uma oportunidade de falar sobre o mundo, ao mundo. E de encontrar outras discussões atuais.

O mundo já não é o mesmo da estação passada. Está menos utópico. E mais distópico. E a cada desfile (há, claro, exceções) a moda perdeu uma oportunidade de inaugurar um novo momento na história. De forma exagerada, admito, pareceu ser só uma “coisa” de gente rica em tempos de gente pobre. Tornou-se um palco para mostrar quem tem mais dinheiro, condenando o que tem de realmente valioso – a criatividade. O que vi nas coleções destas Semanas de Moda foi bom. Muito bom. Mas também foi isto. A falta de realismo da realidade. A que vivemos. A que queremos viver. E a que não sabemos que vamos viver. Já em 2021, na sua performance artística Um Cortejo para a Dor, ao entardecer na Praia de Ipanema, no Rio de Janeiro, Guto Carvalhoneto nos dizia que A REALIDADE É A ÚLTIMA TENDÊNCIA. 

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