Muitos são os que têm um livro de mesa de cabeceira que é quase, e por vezes é mesmo, parte da decoração do quarto. Mas não no caso de Mariana Alvim e de tantos dos seus convidados no seu podcast Vale a Pena, que não deixam um livro sem uso por muito tempo.
Como tal, cada um já leu inúmeras obras que dificilmente cabem nos cerca de 45 minutos de conversa do podcast criado pela radialista e que já soma duas temporadas e mais de 70 episódios. Tudo desde uma noite que Mariana Alvim não esquece.
“Houve um dia em que li um livro que adorei. Fiz noitada, chorei no fim e fui para a cozinha a suar. Era uma da manhã. Mandei mensagem a uma amiga que também estava a ler e perguntei: ‘Já acabaste? Preciso de falar.’ Só que ela ainda não tinha acabado”, conta.
No dia seguinte de manhã, contou a história fascinante de O Rouxinol, de Kristin Hannah, ao marido e ao filho Vasco, que ficou atento ao relato do início ao fim, mostrando o que a fez ficar acordada de madrugada, ignorando o facto de na altura estar a fazer o programa Café da Manhã, da RFM, às 6h.
“O meu marido disse-me: 'Pela paixão com que falas sobre livros, nota-se que é mesmo isto de que gostas. Esquece se é de nicho e faz um podcast sobre livros. E assim nasceu a ideia”, conta Mariana Alvim sobre o momento em que escolheu a que projeto pessoal na área da comunicação finalmente se iria dedicar.
Das estantes aos instantes de conversa
Uma coisa é criar o hábito de ler, outra é ganhar paixão pela leitura. Tem de nascer dentro de nós e Mariana Alvim teve a sorte de isso acontecer logo na infância.
“Uma vez por mês, a minha mãe levava-me a mim e aos meus dois irmãos a uma papelaria e tínhamos direito a um livro por mês. Era um excitamento”, conta.
O entusiasmo e o hábito de ler frequentemente mantiveram-se durante anos, com uma ligeira quebra no final da adolescência quando começou a sair à noite, mas depressa voltou e Mariana considera que ler é para si um vício. Mas um “vício saudável” e que não consegue guardar para si.
“Tenho uma mania há muitos anos e que acho que é natural em muita gente: se leio um livro de que gosto, recomendo", diz. Agora não só pode recomendar, como falar sobre ele e ainda recolher novas sugestões através do podcast que nasceu com mais do que um propósito.
"Queria ouvir as histórias, queria ouvir o que é que os outros andavam a ler, queria incentivar a leitura", diz. “E eu digo sempre que este podcast é para gregos e troianos, porque eu tenho todo o género de convidados e de leituras".
Pelo podcast já passou Cuca Roseta, que falou sobre livros de ioga e do autor Paulo Coelho; Luís Franco Bastos, que se revelou fã de novelas gráficas; Helena de Sacadura Cabral, que não passa sem poesia; Carlão, que admira Charles Bukowski; e o chef Kiko, que gosta de ler sobre o mundo.
Mesmo quem já não lê assim tanto tem também espaço para partilhar, como aconteceu com Ana Brito e Cunha, Nuno Eiró e Diogo Marques Dias. “O Diogo disse-me ‘ai não leio há muito tempo, hoje em dia estou viciado nas redes sociais, mas confesso que quando era adolescente lia imensos livros russos. E eu ‘olha, isso é giríssimo’. Porque muitas pessoas hoje estão viciadas nas redes sociais e se calhar vão identificar-se com isso, não é?”.
A leitura e o fenómeno das redes sociais
Existem duas formas de ver as redes sociais. Uma desculpa para nos distanciarmos do que se passa à nossa volta ou uma forma de nos conectarmos com o mundo. Certo é que por lá não falta conteúdo que nos inspire e nessa matéria o TikTok leva vantagem.
Foi lá que nasceu recentemente o BookTok, um fenómeno em que jovens (na sua maioria) partilham os títulos que andam a ler.
“O TikTok veio, espero eu, pôr os livros na moda, até para as camadas mais jovens. E mesmo que seja literatura cor de rosa, estão a ler. É bom porque torna-se um hábito e depois há o efeito da leitura, que nos faz viajar. É o que eu digo aos meus filhos: o ginásio treina os músculos e a leitura treina o cérebro”, reflete Mariana Alvim.
Para a radialista, “ler é ler”, independentemente de se tratar de livros mais intelectuais ou leves, e no seu entender ainda bem que é uma nova moda, "porque é uma moda bem mais saudável do que outras”.
Mas para que a moda pegue, é preciso mudar, por exemplo, o Plano Nacional de Leitura. "Acho, sem dúvida, que há livros completamente antiquados e se põem aos jovens primeiras leituras obrigatórias que se são um castigo, acho que assim não vamos incentivar ninguém a ler", refere.
O problema de ler é mesmo a falta de tempo?
Mariana Alvim é mãe de três filhos, locutora, leitora, por vezes escritora e tantas outras coisas que lhe ocupam tempo. Mesmo assim, consegue arranjar algum para ler. Como?
“Uma vez disseram-me uma coisa gira: queres ler ou gostavas de ler?”, lembrou. “Uma coisa é o queria e outra é gostava de ser mais magra, não é? Se eu quero mesmo, então vou fazer dieta. Mas se gostava e também gosto tanto de sushi, que tem açúcar, ou de filipinos, que tem chocolate...”.
A motivação está na base do tempo que cada um tem, tal como refletia Gonçalo M. Tavares num dos últimos episódios. “O Gonçalo diz mesmo isso: as pessoas não podem dizer que não têm tempo, porque perdes tempo nas redes sociais ou a ver uma série. E depois ele diz outra coisa engraçada: mais do que fazermos uma avaliação quando o ano acaba, devemos fazer a avaliação do dia. Onde é que hoje perdi tempo? Para amanhã perder menos tempo”, recorda Mariana sobre a conversa.
No seu caso, aproveita cada momento livre para ler, seja no carro quando chega adiantada a um compromisso, ao adormecer ou numa fila de espera. Fundamental é ter sempre um livro consigo.
E, afinal, que livros lê Mariana Alvim?
“Gosto quando me relaciono, de realidades mais próximas da minha”, diz e acrescenta que são muitas as variáveis que a “fazem gostar de um livro". Entre os mais inesquecíveis estão A Sombra do Vento, de Carlos Ruiz Zafón, Indomável, de Glennon Doyle, e Educated, de Tara Westover.
Mariana não nega géneros literários, incluindo literatura light para fazer o chamado "cleanse the palette" (expressão inglesa para “limpar o palato”) depois de leituras mais pesadas.
Seja que livro for, importa é que Vale a Pena (ler).