Foi no evento Meta Connect que decorreu neste mês de setembro onde Mark Zuckerberg comunicou várias novidades para o universo digital, numa apresentação entusiasmante que obviamente não esqueceu a Inteligência Artificial. Zuckerberg anunciou a chegada de chatbots que nos aproximam de celebridades como Kendall Jenner, Snoop Dog ou Tom Brady, através de alter-egos que nos respondem às mais diversas questões, e definiu o entretenimento como alavanca desta proposta.
A ideia é curiosa e tem vindo a cumprir o seu propósito, uma vez que inúmeros internautas se apressaram a inciciar conversas com as mais de 20 personas já disponíveis em várias plataformas, como Instagram e WhatsApp. Numa primeira instância parece muito divertido perguntar um pouco de tudo aos alter-egos dos nossos ídolos, mas, como em tantas outras ideias revolucionárias que parecem ter pressa de chegar, há sempre falhas que estranhamente escapam às pessoas-que-decidem-tanta-coisa-importante. É que quando a ficção e a realidade se diluem de tal forma ao ponto de quase acreditarmos que estamos mesmo a receber conselhos de uma Kardashian, quer pela imagem, pela voz ou pela personalidade destes chatbots, a coisa torna-se estranha e esquisita... Se é demasiado credível, como pode uma brincadeira ser divertida?
@taylorlaios Does kendall know this is what her billie AI is saying 😭😭😭 im so confused #meta #metaai #kendalljenner #greenscreen ♬ original sound - Taylor Laios
Ainda somos do tempos em que muito cuidado se tinha com o uso ou abuso da imagem de figuras públicas, quer através de legislação para o efeito quer por meio da exigência de um certo bom senso. Agora parece que corremos na direção oposta e desacreditamos no poder que as celebridades sempre tiveram ao influenciarem e formarem opiniões. Já não falamos do que as próprias celebridades podem vir a perder com estas personas a longo prazo, até porque ganharam uns quantos milhões de dólares conscientes de que estavam a ceder os direitos de serem “usadas” (mesmo que talvez não saibam o que andam a dizer em seu nome). Mas falamos de quem as admira e idolatra, de quem respira os seus desejos e vontades, dos ditos fãs. Parecemos alheios aos riscos que um robô ultra-idêntico à nossa “crush” ou ao nosso ídolo pode ter em nós, se nos der a resposta errada.
Ao eliminar o lado humano de quem conversa e aconselha, também eliminamos a consciência e a empatia, confiando que as nossas emoções e crenças estão salvaguardadas de posíveis disparates quando se trata de um chatbot… Não teria tanta certeza.
E isto não é um receio longínquo. Nesta fase inicial, a comunicação social deu mais atenção a Billy, o alter-ego de Kendall Jenner que quer ser a nossa nova melhor amiga e está sempre disponível para nos ouvir, quando, na verdade, foi Tom Bardy quem mais nos assustou (sim, a “cópia” dele, um tal de Bru).
Quando a publicação Futurism testou o bot da lenda de futebol americano, perguntou por que razão o quarterback Colin Kaepernick já não jogava, sabendo a bonita verdade, obteve uma feia resposta para quem se lembra do que aconteceu.
Considerado um dos grandes estrelas da NFL por quem percebe do jogo, Kaepernick foi banido da NFL após se ter manifestado contra a posição dos Estados Unidos da América (na altura presidido por Donald Trump) sobre questões racistas envoltas em mortes por parte de forças policiais, mais tarde associadas ao movimento Black Lives Matter e ao caso George Floyd. Kaepernick recusou-se a cantar o hino nacional num jogo e ajoelhou-se, tendo até influenciado outros atletas a copiarem o gesto. Mas tal não foi visto com bons olhos por algumas pessoas poderosas e o seu ativismo baniu-o da NFL até hoje.
Segundo o alter-ego de uma das vozes mais conhecidas do futebol americano, uma decisão por culpa do "drama": "Kaepernick não está a jogar porque não é suficientemente bom e as equipas não querem drama”, disse Tom Bardy.
Ele disse mesmo isso?!
Não, ele não, lembrem-se, isto é a tal persona, não confundam.
Reparem que estamos só no início e este novo conceito de entretenimento já se parece estupidamente perigoso...