"Bélizare e as Crianças Frey" | Imagem: Metropolitan Museum of Art, Nova Iorque
Design e Artes

O segredo de uma pintura de 1837 esconde o racismo de todos os tempos

"Bélizaire e as Crianças Frey" é o nome da pintura que será exibida brevemente no MET, mas, desta vez, sem nada a esconder.

Por razões que a própria razão desconhece, mas por motivos aparentemente óbvios, uma pintura do século XIX, que se pensava retratar apenas três crianças brancas de uma família do estado do Louisiana, mantinha em segredo uma quarta figura. Uma outra criança. Um jovem afrodescendente, na altura escravo, foi escondido na pintura original sob camadas de tinta que terão sido acrescentadas no início deste século. 

Antes de ter sido camuflado de forma intencional, num gesto de claro desprezo, o jovem é pintado pelas mãos de Jacques Guillaume Lucein Amans, autor a quem se atribuiu a obra, de uma forma curiosa. Numa posição de destaque, para não dizer de poder, acima das crianças brancas, ainda que distante das mesmas, e com uma expressividade invulgar e quase indiscreta para a época. Estas são as características apontadas por especialistas, mas qualquer comum-mortal que se demore a reparar nos detalhes da obra vê tudo isto.

"Nenhuma pessoa branca com estatuto social na altura, em Nova Orleães, teria tido um negro no seu retrato de família", explica a historiadora Katy Morlas Shannon ao The New York Times.

Amans é descrito como um pintor de elites, de famílias na altura abastadas, que eram retratadas de forma realista. E a inclusão de um escravo no retrato de família não era só raro e estranho para aqueles tempos, era algo que viria a ser valioso para uma sempre necessária discussão nos dias de hoje. Mas, antes, o percurso.

Antes de pertencer ao The Metropolitan Museum of Art onde será brevemente exibida, a pintura esteve a definhar na cave do Museu de Arte de Nova Orleães, que pouco ou nada relevou a obra, muito menos se deu ao trabalho de a restaurar. Felizmente, ainda há pessoas curiosas e suficientemente empenhadas para trazer luz a algumas verdades.

Jeremy K. Simien, colecionador de arte, viu uma imagem deste quadro em 2013, após um dos primeiros restauros, com as quatro crianças, e estranhou a imagem, assim que a comparou com uma outra anterior, de 2005, que mostrava apenas três figuras. Ambas as imagens eram iguais, se não fosse a criança afrodescendente em falta, claro.

Em 2005, o quadro ainda se encontrava nas catacumbas do Museu de Arte de Nova Orleães, que decidiu colocar o quadro em leilão pela Christie's. Como relatou ao The New York Times, Jeremy, depois de seguir um longo rasto, acabou por encontrar e adquirir a pintura de uma coleção privada em Washington. E na altura ainda nem sabia nada sobre Bélizaire, só que a sua história importava e não merecia ser apagada.

 

 

Mas apagar Bélizaire será mesmo uma pergunta sem resposta?

Há muitas versões sobre a ocultação de Bélizaire. O The New York Times investigou a fundo a história e chegou à conversa com uma historiadora e genealogista que percebeu que Bélizaire tinha sido vendido na suposta altura em que alguém o escondeu da pintura. Ora claro que o escravo aparentemente “amigo” já não podia pertencer ao retrato de família, já que pertencia a outra (de pertence, entenda-se).

Sejam esses os factos ou outros, o que se esconde aqui é a cor da pele e abre-se uma janela de conversação na Internet que mostra um racismo que não é só de outra época. Ainda que isto não seja novidade, é a única verdade concreta deste artigo.

Entre os inúmeros comentários, existe o de um internauta e autor de alguns livros Keith Boykin que traça uma correlação curiosa desses tempos e dos de agora. “Eu não sou racista porque tenho um amigo preto”, a célebre frase que se ouve da boca de muitos quer dizer, neste ou noutro século, absolutamente nada. E é assim que um quadro de 1837 consegue ser tão moderno.

Podemos ser amigos e até tirar selfies juntos, mas ser racista é outra coisa, com muitas mais camadas de tinta.

 

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