"Eu não sou uma estrela pop. Sou apenas uma alma perturbada que precisa de gritar em microfones de vez em quando."
Uma “alma perturbada” foi assim que O’Connor em tempos se definiu num livro de memórias e é difícil não lhe dar razão. Inquietude, revolta e protesto podiam ser nomes para esta artista, mas, em vez disso, escolheu chamar-se Magda Davitt em 2017 e, um ano mais tarde, decidiu-se pelo nome Shuhada' Sadaqat, impelida por ideais religiosos que a converteram ao islamismo. Ainda assim, continua conhecida pelo nome de baptismo, o mesmo pelo qual a chamo.
Sinéad O’Connor, respeito as tuas conhecidas dores (umas até bem mais recentes do que outras) e, claro, a tua arte, mas, talvez por culpa da minha jovialidade que teima em não amadurecer a minha opinião, não sei bem se tenho a melhor das opiniões sobre o resto.
A chegada de mais um documentário sobre aquela que é uma das figuras da pop mais controversas de todos os tempos ("Nothing Compares to You", filme previamente exibido apenas nos festivais de cinema de Sundance e de Tribeca e agora disponibilizado na plataforma de streaming Showtime), traz-nos à memória todo o espetáculo polémico que esta lenda rebelde protagonizou dentro e fora do palco. A artista irlandesa continua a ser polémica, mas parece haver sempre mais uma janela de compreensão que se abre no decorrer dos tempos.
Numa breve retrospetiva à década de 90, lembramos onde tudo começou. O tema “Nothing Compares 2 U”, escrito por Prince, é interpretado pela cantora irlandesa e, de imediato, catapulta-a para o estrelato. O sucesso foi estrondoso e esperava-se tanto de O’Connor, talvez até demais.
A fama de rebelde pode ter nascido pelo cabelo rapado, que surge como resposta às exigências de executivos musicais para usar cabelo comprido, mas foi no programa “Saturday Night Live” onde ganha outra dimensão. O’Connor protagonizou um momento infeliz que dizem ter ditado a ruína da sua carreia.
A irlandesa rasgou uma imagem do Papa João Paulo II, enquanto pedia ao público que “lutasse contra o verdadeiro inimigo”. O gesto pretendia servir de protesto contra os relatos de abuso sexual de menores na Igreja Católica, mas muitos viram este comportamento como desrespetoso e desajustado. E, como se tal não bastasse, O’Connor anunciou-se sacerdotisa uns tempos depois do escândalo, o que não caiu la muito bem a muitos que a tentavam perdoar.
O conteúdo pode ser o certo, mas na forma errada nunca dá bom resultado e este foi apenas o primeiro exemplo de uma longa lista. As suas façanhas não ficam por aqui. O'Connor boicotou a cerimónia dos Emmy, apesar de estar indicada a vários prémios, foi banida de rádios e, recentemente, depois de já se ter convertido ao islamismo, diz ser contra "todos os brancos".
"O que estou prestes a dizer é algo tão racista que nunca pensei que a minha alma pudesse senti-lo. Mas, sinceramente, não quero perder mais tempo com pessoas brancas (se é assim que os não-muçulmanos são chamados). Em momento algum, por razão alguma. São nojentas."
Podíamos discorrer aqui mais uns tantos feitos, mas a verdade é que, venha o que vier, parece que continuamos a gostar, a perdoar, a esquecer, até a idolatrar, e sempre a mudar de opinião.
Sinead O’Conor, pelas melhores e piores razões, "nada se compara a ti".