Reconhecemos que o consumo compulsivo de pornografia não é saudável e pode afetar a vida sexual e mental de quem dela é dependente, bem como de familiares e amigos. Dito isto, e por não desmerecer o assunto sério que tantas vezes carece de acompanhamento especializado, talvez seja melhor assumirmos que a já famosa app Convenat Eyes não sabe o que faz.
Numa primeira impressão, passando os olhos no site que se assemelha a um panfleto de aulas de religião moral, destaca-se, em letras garrafais, a promessa de “solução” para um “problema humano”. Bem sei que isto não é suficiente para revirarmos os olhos, por isso mais vale contarmos com a opinião de quem já utilizou a app.
Mike Johnson, líder ultraconservador da Câmara dos Representantes dos EUA, revelou em 2022, num vídeo agora divulgado, que era utilizador da app Covenant Eyes, assim como o seu filho, promovendo a importância da abstinência de pornografia. Se Mike Johnson tem ou não um comportamento desviante ou compulsivo nesta matéria, não sabemos, mas sabemos que é cristão declarado com uma visão do mundo muito bíblica, o que torna natural a sua atração a uma aplicação que parece propagar as suas mesmas crenças. Aliás, a Convenat Eyes vende a sua ajuda (e não sai barata a prestação mensal), dando a conhecer alguns comentários curiosos sobre quem a ela recorre: "Todos os homens cristãos deviam utilizá-la” ou “a responsabilidade que o Covenant Eyes proporciona ajuda-me no meu desejo de honrar Deus".
E como todos nós sabemos que não basta Deus ou as mensalidades em dia para resolver problemas sérios, esta app recorre a métodos bem conhecidos, como a humilhação e as queixinhas, para assegurar que a nossa vida sexual é saudável. A atividade do telemóvel é assim enviada a um parceiro de responsabilidade designada pelo utilizador. Ou seja, queres viver uma vida sem pornografia? Basta aparecer um topless (mesmo que inofensivo) no teu ecrã, para o teu marido, mulher, filho, primo… enfim, quem tu quiseres que dê o sermão, receba o alerta.
Agora já parece tão pouco prestável, não é? Talvez outro tipo de review seja mais esclarecedor.
Como já ficou claro, o manifesto desta app baseia-se numa vida “livre de pornografia”, o que, curiosamente, nunca pareceu tão difícil para quem também experimentou a app, mas não parece querer honrar Deus com abstinências. Adam Gabbatt, do The Guardian, soube desta "crise política" e decidiu testar a aplicação. “Mudou a minha relação com a pornografia”, disse. Só não para melhor, uma vez que “aumentou drasticamente a quantidade de tempo” que passou a pensar nela.
“A palavra ‘porn’ está espalhada por todo o lado em CovenantEyes.com, no qual se pode criar uma conta e descarregar a aplicação. Aparece 18 vezes só na página inicial. A mensagem não é positiva – ‘a pornografia cria vergonha’, ‘a vergonha alimenta o uso de pornografia’ - mas o efeito é inevitável: se a pornografia não estava na tua mente antes de visitares o Covenant Eyes (improvável), certamente estará depois”, explica.
E, de repente, parece mais apropriado assistir às 50 sombras de Grey do que instalar esta app.