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Se adormeceres a ler este artigo, não é bom sinal

A Versa falou com Hugo Canas Simião, psiquiatra e somnologista, na Clínica Teresa Rebelo Pinto, que se dedica a compreender a relação do sono com a saúde Mental.

Dás por ti a bocejar e a desejar uma cama enquanto estás numa reunião de trabalho? Ou enquanto devias estar a conseguir aproveitar um filme com a tua família? Ou ao volante? Quando isso acontece falamos de sonolência diurna excessiva, um sintoma que afeta em média 1 em cada 5 pessoas. 

Mas o que é a sonolência excessiva?

A sonolência diurna excessiva corresponde a uma condição em que é difícil para a pessoa manter-se acordada durante o dia. Há outros conceitos que se podem assemelhar, nomeadamente fadiga, cansaço, falta de energia ou de prazer em atividades que anteriormente davam prazer, mas que do ponto de vista clínico e das causas subjacentes há enormes diferenças.  Há ainda um outro conceito semelhante, a necessidade excessiva de sono, em que a pessoa tende a precisar de mais horas de sono no seu ciclo de 24h do que a restante maioria – geralmente mais de 10 horas – os chamados long sleepers.

Quais as causas?

A causa mais comum é, sem sombra de dúvida, a privação de sono ou síndrome do sono insuficiente. Em média, os adultos precisam de 7 a 9 horas de sono diários para conseguirem manter uma vigília de qualidade, sentirem-se alerta, emocionalmente e cognitivamente estáveis para um dia funcional. (Não sou informático, mas) pensemos no sono como quando começamos a correr um programa antivírus ou uma atualização no computador: quando dormimos horas a menos dos que as que precisamos, é como se o programa fosse interrompido antes do fim, pelo que o risco de erros e bugs enquanto estivermos a usar o computador vai ser muito maior.

Infelizmente, a evolução alucinante da tecnologia e os horários exigidos pela sociedade e por diversos empregos têm desvalorizado a relevância do sono e, sobretudo, a importância do lazer na saúde (incluindo mental).

Infelizmente, a evolução alucinante da tecnologia e os horários exigidos pela sociedade e por diversos empregos têm desvalorizado a relevância do sono e, sobretudo, a importância do lazer na saúde (incluindo mental). O cérebro não consegue apenas trabalhar e dormir, ele precisa de tempo para socializar, para se distrair, para diminuir a tensão provocada pelo stress e pelo trabalho. Quando isso não acontece, o sono tende a ficar sacrificado, ou voluntariamente – porque nos privamos de sono para podermos usufruir do que não conseguimos por estarmos a trabalhar – ou nem tanto, como quando ocorrem insónias. Veja-se também que, mesmo culturalmente, enquanto noutros países vemos o dia a começar cedo e a terminar relativamente cedo para ainda haver tempo de lazer e tempo suficiente para a pessoa dormir, em Portugal vemos o dia a começar cedo e a terminar tarde.

Outras causas de sonolência diurna excessiva poderão ser todas as que interferem diretamente na continuidade e qualidade do sono, desde causas médicas (como a dor, doenças autoimunes, doenças cardíacas, respiratórias, etc.) ou psiquiátricas, medicação, ou doenças específicas do sono que levam a interrupções, como movimentos, arritmias ou apneias do sono.

Há ainda um grupo menos comum de doenças do sono, embora frequentemente subdiagnosticadas, que levam a um aumento da sonolência durante o dia, como a narcolepsia ou a hipersónia idiopática.

Quais as consequências para quem sofre de sonolência excessiva?

Podemos falar de consequências diretas e indiretas. Entre as consequências diretas contam-se: o comprometimento da qualidade da vigília e da atenção, e consequentemente uma diminuição na retenção da informação e da memória; menor capacidade de iniciativa para realização de atividade física rigorosa e maior risco de consumo de refeições calóricas. As consequências indiretas decorrem das que referi anteriormente: maior risco de acidentes de viação, de erros no trabalho, de consumo de estimulantes (e respetivas consequências cardiovasculares), aumento de peso (e subsequente risco de doenças metabólicas como a diabetes), risco de doenças cardiovasculares ou até de morte.

Como se previne? Há forma de "treinar" o sono para não acontecer?

Parece quase um clichê, mas a prevenção passa (na maior parte das vezes) por hábitos de sono regulares, reservar tempo do dia para permitir que o cérebro “desligue” e consiga ter também tempo suficiente para dormir as horas de sono de que precisa, uma alimentação saudável e exercício físico regular. Isto considerando que não há uma doença diretamente responsável por isso. Se mesmo com estes hábitos e estes cuidados a sonolência diurna excessiva se mantém, então deverá haver mesmo uma avaliação clínica, preferencialmente numa consulta de Medicina do Sono ou com um médico ou uma médica com essa diferenciação. Em casos em que a sonolência diurna não é patológica e que, por exemplo, há a necessidade de percorrer longas distâncias ou jornadas longas de trabalho, um café imediatamente antes de uma sesta de cerca de 20 minutos (tempo médio até o efeito da cafeína atuar) pode ajudar.

Há tratamento?

Há vários tratamentos para a sonolência diurna excessiva, mas dependem do quadro clínico global, das causas e das condições de saúde que a pessoa possa ter. Se for um síndrome de sono insuficiente, a adoção de uma boa higiene do sono, horários regulares, atividade física, exposição à luz exterior no horário adequado, respeitar tempos de lazer e uma alimentação equilibrada poderão ser suficientes. No entanto, se o problema não for esse, o tratamento dependerá da condição de saúde ou diagnóstico em questão. Há múltiplos tratamentos, tanto farmacológicos como não farmacológicos, que podem ajudar significativamente na sonolência diurna excessiva. Por exemplo, há medicamentos – com indicações específicas - que aumentam a vigília e diminuem a sonolência durante o dia. Os aparelhos de pressão positiva das vias áreas (como os famosos CPAP) também podem diminuir a sonolência excessiva quando o problema é, por exemplo, uma apneia obstrutiva do sono.

Como se pode ser diagnosticado com sonolência diurna excessiva? A que sinais devemos estar atentos?

A sonolência excessiva não é um diagnóstico por si, mas antes um sintoma que pode estar (ou não) associado a um outro conjunto de sintomas ou alterações em exames que no seu conjunto podem configurar (ou não) um diagnóstico clínico. Mediante uma avaliação clínica global, existem exames complementares que poderão ser úteis a ajudar a clarificar a sonolência diurna excessivo, como a polissonografia e/ou o teste de latências múltiplas, caso haja indicação clínica para tal. Uma forma relativamente simples de rastrear uma sonolência diurna excessiva é através da aplicação da escala de Epworth. Se bocejou a ler este artigo (e esperando que não tenha sido verdadeiramente aborrecido para si), convido fortemente o leitor a procurar e a responder a esse questionário!

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