Anfíbio
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Anfíbio, um restaurante de face voltada para o Tejo

Na Doca da Marinha, há um ecossistema gastronómico que quer devolver o rio a quem habita em Lisboa. Miguel Rocha Vieira lidera o caminho com um novo restaurante e três quiosques.

Quando Miguel Rocha Vieira visitou pela primeira vez o espaço do que viria a ser o seu novo restaurante em Lisboa, tudo estava ainda em obras. A dois passos do Tejo, na Doca da Marinha, a maior parte desse paredão agora devolvido à cidade ainda se encontrava entaipado, não deixando antever a quem ali passava o que iria acontecer. Mas o chef português de 45 anos, que à altura ainda se encontrava à frente das cozinha do Costes e do Costes Downtown em Budapeste, na Hungria – cada um dos restaurantes com uma estrela Michelin –, não teve dúvidas. “Percebi o potencial que isto poderia ter e disse logo que poderiam contar comigo”, lembra Miguel Rocha Vieira muitos meses volvidos, já na esplanada do Anfíbio, o restaurante principal de um ambicioso projeto do grupo Lean Man (dos quiosques Banana Café) que quer devolver esta zona ribeirinha da cidade aos lisboetas.

Num espaço compreendido entre a Estação Fluvial Sul e Sueste, no Terreiro do Paço, e o Terminal de Cruzeiros, já mais próximo de Santa Apolónia, o Anfíbio é apenas uma peça na engrenagem do plano do grupo para revitalizar esta zona de Lisboa que acabou transformada graças a um projeto camarário assinado pelo arquiteto Carrilho da Graça. Além do restaurante, que em parte se encontra submerso no leito do rio, existem três quiosques com diferentes valências gastronómicas e um jardim que está pronto a receber vários tipos de eventos culturais e gastronómicos (o mais recente foi o Santos no Tejo, que durante 11 dias animou a zona com música e comes e bebes).

Com um percurso ligado à alta cozinha, e tendo sido o primeiro chef português a ostentar três estrelas Michelin em simultâneo (uma no restaurante da Fortaleza do Guincho e duas nos restaurantes Costes em Budapeste), Miguel Rocha Vieira quis fazer uma coisa diferente. “Queria reinventar-me e sair da minha zona de conforto. Sou muito inquieto por natureza e queria voltar a ter borboletas no estômago. Queria fugir a esse relógio suíço do fine dining onde está tudo muito formatado e voltar a ter horas de sono”, confidencia num primeiro dia de verão chuvoso com o Tejo acinzentado como pano de fundo.

Aos 45 anos e com muitas cozinhas na bagagem, Miguel Rocha Vieira deu por si a questionar o que é isso da alta cozinha e qual a sua importância no mundo. Esse processo introspetivo já se encontrava em marcha, mas a chegada da pandemia deu o empurrão necessário para o chef traçar um plano e conseguir reinventar-se. “A profissão de chef é muito egocêntrica e às vezes andas numa nuvem que não corresponde à realidade. É uma minoria e tens de o perceber. A Covid alertou-me para isso. O facto de poderes dar entrevistas e viajar pelos quatro cantos do mundo, ter um programa de televisão, só é possível porque tens uma equipa forte atrás”, reconhece.

No Anfíbio, que em parte deve o seu nome ao facto de a cozinha de produção se encontrar no andar debaixo, submersa nas águas do Tejo, e à proximidade do rio, a oferta gastronómica foi pensada para ser simples e divertida, estreitando o caminho entre terra e água – tal como o nome sugere. Miguel Rocha Vieira também reconhece em si essa dualidade. “Às vezes também sou um bocado anfíbio e bipolar, mas tenho vindo a simplificar-me, sem dúvida alguma. Sinto-me mais seguro no que faço”, afirma o chef. Prestes a dar por concluído o período de soft-opening, o restaurante que abriu portas no final de abril vai lançar uma nova carta nas próximas semanas que espelha a filosofia do chef: respeitar a temporada e minimizar o impacto ambiental do transporte da matéria-prima. Miguel Rocha Vieira deixa no ar o que os comensais que passarem pelo Anfíbio nas próximas semanas irão encontrar nos cardápios. “Queria fazer um ceviche de corvina com pêssego, uma salada de tomate e de melancia, um peixe-galo com courgetes ou uma sobremesa com fruta. Com frutos vermelhos, se calhar.”

Mas nos dois meses de vida do Anfíbio, já há pratos que se tornaram residentes, como o Brás do mar com camarão da costa (€17), o tártaro de novilho (€15), a bochecha de atum ao sal (€28) ou o tutano na brasa (€15). “Tentamos agradar a todos”, diz Miguel Rocha Vieira. “Em Lisboa, há muito control c control v em termos de produtos-fetiche que os chefs usam todos. Aqui tentamos fugir aos carabineiros, a essas coisas do género”. Ainda que a preocupação de agradar à clientela, que é em igual parte nacional e estrangeira, os fornecedores com quem o chef mantém relações de longa data são quem ditam o que vai para o prato. “O Tiago do peixe é que me diz o que devo por no menu e não ao contrário. Ao fazer a carta, muitas vezes o ponto de partida são os nossos fornecedores que nos dizem o que há. E temos de respeitar isso.”

Numa conversa que tem lugar logo pela manhã, antes de o serviço arrancar, à medida que o tempo passa vê-se a agitação crescer na sala decorada pelo Bacana Studio. A atenção conferida a quem serve é outro dos pontos-chave deste projeto. “Queremos que o serviço de sala seja mais interativo”, desvenda o chef. “Quando fizemos a carta, pensámos vários pratos para serem terminados na sala. Depois percebemos que ainda não era possível, mas queremos que agora nesta segunda fase de lançamento do restaurante já seja.”

Miguel Rocha Vieira quer desviar o holofote de si e direcioná-lo para quem trabalha com ele. “Os miúdos dizem todos que querem ser cozinheiros, mas não há ninguém que diga que quer ser empregado de mesa. Desvalorizamos uma profissão que é muito bonita”, alerta. E como se pode combater esse desinvestimento na profissão? “Tem de haver uma ligação entre a cozinha e a sala”, nota. Para pôr em prática essa vontade, o chef ambiciona que a salada César de lavagante, por exemplo, seja “terminada e montada em frente ao cliente por quem a serve”. “Que tragam a tarte de queijo inteira, assim decadente, e que a cortem. Que expliquem a filosofia do Anfíbio, de onde vêm os produtos, quem são os produtores, que as pessoas possam entender tudo isso de quem as serve”, enumera.

Com uma sala com 144 lugares e uma equipa constituída por cerca de 20 pessoas, a cozinha do Anfíbio “é de todos e um sítio em que todos jogam um papel importante”, assegura Miguel Rocha Vieira. A seu lado, como braços direitos tem Miguel Loureiro e Pedro Silva, que já o acompanha desde os tempos na Fortaleza do Guincho, ainda assim o chef continua a retirar ensinamentos do que viveu na pandemia. “Era muito difícil de aturar na cozinha. Quando dei por mim estava quase sozinho e, se calhar, o culpado era eu”, afirma, sem medos.

Hoje, Miguel Rocha Vieira “só quer acordar de manhã e vir feliz para o trabalho”. “Isso é contagioso para a equipa e acredito que um líder deve dar o exemplo. Se te virem contente, isso estende-se à equipa”, defende o chef que aponta como principal mudança o facto de este “ter deixado de ser um restaurante do Miguel Rocha Vieira”. “Será inegável que haverá pessoas que virão cá porque está associado ao meu nome, mas tentamos inverter isso. Tentamos que não seja um restaurante preso ao meu nome.”

Pensado a longo-prazo, com um horizonte de 15 anos pelo menos, Miguel Rocha Vieira vê neste ecossistema gastronómico o potencial para deixar uma importante marca na cidade. “Queremos dinamizar a Doca da Marinha. O ponto de partida é esse. Queremos que se torne um hábito vir até aqui, em vez de se chegar ao Terreiro do Paço e dar meia volta para trás. Acreditamos que Lisboa vai crescer por aqui”, arrisca Miguel Rocha Vieira. “O que me fez aceitar este projeto vai além da cozinha. Queremos ter uma história para contar sobre termos dinamizado esta zona de Lisboa, de ter devolvido a proximidade dos lisboetas ao rio.” 

 

Morada: Av. Infante D. Henrique A, Doca da Marinha, Lisboa 
Horário: seg. a sex., 12h-15h/ 19h-23h; sáb e dom e feriados 12h-00h
Preço médio: €65

 

Para ficar de olho nas redondezas: Os quiosques vermelho, amarelo e azul, com painéis coloridos na parte de trás, da autoria de Julião Sarmento, são outros dos eixos do projeto da Doca da Marinha. “O quiosque vermelho é mais dedicado a pequenos-almoços, brunches e comida saudável”, explica Miguel Rocha Vieira. O amarelo, do meio, “é um sítio mais divertido, tem música e petiscos portugueses e comida de partilha”, continua. O azul serve como “ponto de encontro de quem vai ao restaurante”, onde há marisco, peixe e vinhos naturais. Mais à frente, existe ainda um jardim com 2700m2, que pode ser usado para eventos.

 

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